Nike retoma estratégia de gerar controvérsia em campanha com Kaepernick

A Nike há muito confia na controvérsia para propagar uma imagem de juventude e ousadia. A empresa fez campanhas em que Charles Barkley declarava que não estava lá para servir de exemplo, e em que Tiger Woods lembrava aos leitores que alguns clubes de campo não permitiam sua entrada por conta da cor de sua pele. Também mostrou o Andre Agassi usando calções jeans.

Esta semana, a Nike retomou essa tradição, ao anunciar Colin Kaepernick, ex-astro da NFL e figura altamente polarizadora, como rosto de uma grande campanha que celebra o 30º aniversário do lendário slogan "Just Do It", um marco na história da companhia - e essa decisão pode ser a mais controversa que ela já tomou.

Em uma era repleta de divisões no discurso político, a maioria das empresas de capital aberto tenta evitar se posicionar de maneiras que irritem os consumidores, especialmente porque campanhas raivosas de mídia social podem transformar qualquer decisão comercial em uma declaração social mais ampla. Mas a Nike assinou um contrato novo e lucrativo com Kaepernick, talvez o mais divisivo entre os atletas americanos de sua geração, e produzirá artigos com seu nome e imagem.

Em 2016, Kaepernick começou a se ajoelhar durante a execução do hino dos Estados Unidos, antes das partidas de futebol americano, em protesto contra o racismo, a brutalidade policial e a injustiça social, e seu exemplo foi seguido por alguns jogadores, que se ajoelhavam, ficavam de braços dados ou erguiam os punhos cerrados durante a execução do hino. O presidente Donald Trump fez disso uma luta política, ao postar diversas mensagens no Twitter criticando os jogadores, e ao declarar publicamente que eles deveriam ser demitidos.

A estratégia da Nike acarreta o risco de alienar os incontáveis consumidores que consideram desrespeitosos os protestos iniciados por Kaepernick durante a execução do hino. As ações da Nike caíram em US$ 2,60 na terça-feira, ou mais de 3%, mas não se sabe em que medida a culpa por isso cabe ao contrato com Kaepernick, ou se há outras forças de mercado envolvidas.

A decisão indubitavelmente terá ramificações para a NFL, que se vê apanhada no meio do debate - a liga é grande parceira da Nike mas está sendo processada por Kaepernick, que acusou os 32 clubes que a formam de conluio, por não o contratarem devido às suas manifestações em campo.

Mas pode dar bom resultado junto à base de consumidores jovens e fãs da Nike, de acordo com analistas, e sinaliza que assumir posições políticas pode ser positivo para algumas marcas. Quase dois terços das pessoas que usam Nike nos Estados Unidos têm menos de 35 anos, e elas têm perfil racial muito mais diversificado do que a população da geração baby boom (os americanos nascidos entre 1946 e 1964), disse Matt Powell, analista do setor de esportes no NPD Group.

"Creio que a Nike tenha entrado nessa sabendo absolutamente o que estava fazendo, com a intenção de ofender algumas pessoas", disse Powell. "Mas as pessoas que compram seus produtos, sejam da geração milênio ou da geração Z, são consumidores que querem que suas marcas assumam posições visíveis sobre questões sociais, e essa era uma oportunidade de fazê-lo, para a Nike", ele disse.

Uma pesquisa recente da Morning Consult confirma isso. Os consumidores jovens e urbanos têm maior probabilidade de reagir favoravelmente a uma empresa que defenda os direitos dos manifestantes a se ajoelharem durante o hino nacional. De fato, na mídia social - onde a juventude americana vive -, Kaepernick atraiu mais de um milhão de respostas no Instagram, Facebook e Twitter nas horas posteriores ao anúncio de sua parceria com a Nike, de acordo com a ListenFirst, uma empresa que analisa dados de mídia social.

No Twitter, mais de 100 mil posts na primeiras 24 horas posteriores ao anúncio da campanha incluíam o hashtag #BoycottNike, mas a análise da empresa demonstra "mais apoio a Kaepernick e à Nike do que ações negativas com relação a eles", segundo Jason Klein, copresidente executivo da ListenFirst. A campanha, anunciada por Kaepernick com uma mensagem no Twitter, também gerou o equivalente a US$ 43 milhões em publicidade gratuita para a Nike, de acordo com uma estimativa.

A parceria com Kaepernick surge logo depois de uma reportagem do The New York Times na qual a Nike foi caracterizada como um ambiente de trabalho hostil e abusivo para as mulheres. Em agosto, duas mulheres abriram um processo contra a Nike, afirmando que estavam sendo discriminadas por seu gênero, em termos salariais, e que sofriam assédio sexual.

Mas o momento da parceria com Kaepernick apanhou muitos veteranos do setor, assim como a NFL, desprevenidos. Por mais de um ano, a Nike virtualmente ignorou Kaepernick, e se recusou a usá-lo em qualquer de suas campanhas de marketing, ainda que ele tivesse contrato com a empresa sediada no Oregon desde 2011.

A nova parceria surge meses depois que a Nike prolongou sua parceria com a NFL para o fornecimento de uniformes a todos os 32 clubes da liga. Na segunda-feira, quando perguntada se a NFL havia sido informada com antecedência sobre a campanha, uma porta-voz da Nike disse que "Colin não tem contrato com qualquer time da NFL, atualmente, e nem obrigações contratuais para com a NFL".

A NFL não tratou da campanha na segunda-feira (3), e na terça-feira (4) divulgou um comunicado no qual afirmava que "as questões de justiça social que Colin e outros atletas profissionais defendem merecem nossa atenção e ação".

O The Daily Caller publicou uma entrevista com Trump na noite de terça-feira na qual ele dizia que a Nike enviou "uma mensagem terrível" ao fazer de Kaepernick uma das faces de sua campanha, e apontou que a empresa era sua inquilina, "e pagava aluguel alto", em uma menção à loja Niketown na rua 57, em Nova York. Trump criticou repetidamente os jogadores, proprietários de times e a direção da NFL por os atletas não serem forçados a ouvir em pé o hino nacional, e caracterizou o protesto dos jogadores contra o racismo e a brutalidade policial como desrespeitoso e antipatriótico.

Nesta quarta-feira (5), o presidente norte-americano se juntou à onda de críticas com uma publicação em seu perfil no Twitter.

A NFL está batalhando para administrar as críticas. Adotou uma nova regra que requer que os jogadores ouçam o hino em pé, ou fiquem no vestiário durante sua execução, e depois suspendeu sua aplicação quando diversos proprietários de clubes disseram que não puniriam os jogadores por protestos, e a Associação de Jogadores da NFL ameaçou contestar a regra.

Os fabricantes de material esportivo também tropeçaram ao tratar das campanhas por justiça social, ou ao falar sobre Trump. Quando Kevin Plank, presidente-executivo da Under Armour, elogiou discretamente o presidente, no começo de 2017, isso causou uma imensa controvérsia e atraiu críticas ferozes, especialmente do astro do basquete Stephen Curry, que tem um contrato publicitário com a companhia.

Já a Nike tem a tradição de mergulhar de cabeça em grandes debates, quer por meio de anúncios simples e diretos, quer pelas roupas e calçados provocativos que os atletas que ela têm sob contrato escolhem;

"A Nike desde o primeiro dia foi uma marca que tanto apoiou quanto resistiu a coisas que são importantes para a companhia e seus atletas, e portanto existe algum precedente para sua atitude", disse Mary Scott, presidente da UEG, uma agência de marketing esportivo, de entretenimento e de estilo de vida.

No ano passado, como parte das celebrações do Mês da História Negra nos Estados Unidos, a Nike divulgou uma campanha chamada "igualdade", estrelada por LeBron James, Serena Williams, Kevin Durant e outros atletas. Quando os dirigentes do Aberto da França anunciaram que Williams não poderia mais usar seu macacão negro durante os jogos do torneio, a Nike respondeu, via Twitter, que "você pode tirar o uniforme do super-herói mas isso não eliminará seus superpoderes".

Em última análise, pode haver duas explicações simples para a decisão da Nike: dinheiro e atenção. A camisa de Kaepernick esteve entre as 50 mais vendidas no segundo trimestre de 2017, ainda que ele não fizesse parte do elenco de qualquer time da NFL.

"Quando foi a última vez que uma campanha da Nike foi comentada?", disse Scott. "Eles tiveram tantas campanhas ótimas. Mas parece existir um esforço deliberado em torno dessa, que não víamos há algum tempo, especialmente em torno de tópicos realmente quentes que agora estão sendo enfrentados pelo mundo, e não só pelo mundo do esporte".

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