Na nova carta de Lula, tinta azul acabou e só sobrou borrão vermelho a Haddad

Passados 5.926 dias, uma nova mensagem assinada por Luiz Inácio Lula da Silva pretende ser marco da campanha presidencial em curso. Uma nova “Carta ao Povo Brasileiro”, ora acrescida de um intimista “de Lula”.

Relida, a versão de 2002 parece sobrevalorizada se for levada em conta a forma de suas 1.746 palavras. Boa parte dela é dedicada a rejeitar o legado dos oito anos tucanos no governo, de resto algo natural para uma candidatura oposicionista.

Mas o conteúdo é o que importava e lhe garantiu um lugar na história: o PT beijava oficialmente a cruz mercadista ao prometer disciplina fiscal —”como um meio, não um fim”, ressaltava, prenunciando o que viria a acontecer a partir de 2008 até a debacle dilmista.

O resto é história conhecida, ascensão e queda. A ladeira abaixo política e moral de Lula é mais condensada nas 1.173 palavras esparramadas pelo texto piegas e autocentrado. Dos seus 23 parágrafos, 14 são dedicados exclusivamente à exegese da trama dos poderosos contra o humilde defensor dos pobres.

O homem não é só fel. Generosamente, oferece aos brasileiros em seu lugar Fernando Haddad, o ex-prefeito paulistano conhecido por sua pouca habilidade com o tal do povo que Lula conhece como ninguém. Até a figurante Manuela D´Ávila (PCdoB) ganha um parágrafo para chamar de seu, além de dividir o palanque com Haddad e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) no anúncio da candidatura em Curitiba. A cadeia, palco de resto inusitado para uma bênção eleitoral, parece ter amolecido o petista.

O dedaço não é, obviamente, exclusividade do petismo: apenas sua dimensão que o coloca como evento único num país acostumado a grupos políticos que se perpetuam por unções. Não fosse uma eleição decisiva para a Presidência e a importância de Lula, as lamúrias do ex-presidente se encaixariam quase à perfeição ao discurso feito por um antigo adversário dele em Brasília, o ex-governador Joaquim Roriz.

Impedido pela Justiça de seguir candidato em 2010, ele desfiou um rosário de lamentações contra a perseguição contra sua figura, alegou que a Constituição fora rasgada e indicou em seu lugar, às vésperas da eleição para o governo do Distrito Federal, sua mulher, a “dona Weslian”.

Não, Haddad não é a Weslian de Lula. Ela chegou ao segundo turno e acabou derrotada pelo PT numa exibição constrangedora que não se espera de um professor universitário que governou sem muito sucesso a maior cidade do país por quatro anos. Mas o cheiro de embuste é o mesmo, e Lula colabora quando diz que será declarado inocente e voltará para o lado do pupilo.

Fica difícil não imaginar presidente Haddad tomando um avião presidencial rumo a Curitiba na primeira crise parlamentar, ou escândalo de corrupção, que enfrentar. Pior: enviando algum dos prepostos que invejam sua escolha como o poste da ocasião para tal tarefa.

Claro, para tanto Haddad tem de chegar lá. Seu caminho ao segundo turno será menos simples do que o mero fato de ser o “Andrade do Lula” sugere, vide o momento atual da candidatura de Ciro Gomes (PDT). Mas a sabedoria convencional, se serve para algo no Brasil, indica seu bom potencial, de resto apontado na pesquisa do Datafolha de segunda (10).

Se chegar lá, o dedaço lulista terá se mostrado eficaz, seja quem for o vencedor. O problema para Haddad é que a tinta azul para cartas destinadas ao mercado acabou, restando apenas os borrões vermelhos deixados por Lula no papel nesta terça.

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