Moro reprovado no teste da mulher de César

Era uma vez a festa da ”Boa Deusa", na Roma de Júlio César, em maio de 62 a.C. Só podiam participar mulheres, comandadas por Pompeia Sula, segunda mulher de César, jovem e bela. Publius Clodius, apaixonado por Pompeia, disfarçou-se de tocadora de lira e entrou clandestinamente na festa para chegar perto de sua paixão proibida.

O plano fracassou. Publius foi descoberto sem nem sequer chegar perto de Pompeia. Não obstante, armou-se tal escândalo que César divorciou-se da mulher, para espanto dos senadores romanos. Queriam saber porque ele quis o divórcio, mesmo sem haver qualquer indicação de que a mulher o traíra. César respondeu: “A mulher de César deve estar acima de qualquer suspeita”.

Desse episódio nasceu um provérbio, que se repete ao longo dos séculos: "À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta".

Aplica-se à perfeição ao casamento Sergio Moro/Jair Bolsonaro. Não há como provar que Moro condenou Luiz Inácio Lula da Silva para afastá-lo da disputa eleitoral e, assim, abrir o caminho para outro candidato, que acabou sendo Jair Bolsonaro, o que agora convida o juiz para ser um superministro da Justiça.

Na verdade, nem foi Moro diretamente quem tirou Lula do páreo. Foram os juízes da segunda instância que referendaram a condenação e ainda aumentaram a pena. Só assim o líder petista tornou-se inelegível.

O próprio Bolsonaro deu corda na suspeição, ao dizer que o trabalho de Moro, ”muito bem feito", o ajudara a crescer politicamente.

Para os petistas, é uma confissão até desnecessária. Sergio Moro já era o inimigo público número um. Mesmo que, em vez de ser ministro de Bolsonaro, tivesse sido chamado para trabalhar ao lado do papa Francisco, seria suspeito.

O problema, para Moro, é que, agora, há mais gente suspeitando, do que dá prova o título da capa desta sexta-feira (2) do jornal espanhol El País: ”O juiz que pôs Lula na prisão será um superministro com Bolsonaro".

Está clara a insinuação, certo? Claro que a parte hidrófoba do bolsonarismo dirá que El País é comunista, rotulação que essa gente vem usando com ridícula frequência. É patético porque, entre outras razões, o comunismo ficou sepultado sob os escombros do Muro de Berlim, faz quase 40 anos.

Mas um magistrado respeitado como Carlos Ayres Britto, que nem o mais fanático bolsonarista pode chamar de comunista, disse ao jornal O Globo que Moro no governo compromete a imagem do Judiciário. Acrescentou: ”Os magistrados devem manter o máximo de distância dos outros dois poderes".

Reforçou nesta Folha Reinaldo Azevedo, outro que só paranoicos poderiam acusar de comunista ou esquerdista: ”Ministro Moro é Judiciário com partido".

Um como o outro deixam claro que a um juiz, como à mulher de César, não basta ser imparcial, é preciso parecer imparcial, condição que ficou arranhada nesse episódio.

Mas há o contraponto: os aplausos à nomeação de Moro foram muito, mas muito mais amplos do que as críticas e restrições. Explicável: o juiz é extremamente popular, Bolsonaro está em lua de mel com uma parte significativa da sociedade, e a maioria do eleitorado aprova a prisão de Lula —51%, segundo pesquisa Datafolha de um mês atrás, mais 8% que defendem a condenação mas preferem que seja transferido para prisão domiciliar.

Significa que Moro pode passar tranquilamente por cima da necessidade de ser e de parecer ser imparcial e, ainda assim, receber aplausos.

Se continuarão ou não, vai depender do que fizer no governo. Não é uma missão trivial: ficou com a responsabilidade de encarar dois dos problemas que levaram o eleitorado a passar o rodo no establishment político tradicional, corrupção e criminalidade.

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