Moraes tem 'última chance' aos 23, vira artilheiro e enfrenta Guardiola

Quando surgiu a possibilidade de ir para a Romênia em 2010, Júnior Moraes, 31, resolveu aceitar. Encarou como a última chance da carreira.

“Tinha de dar certo ou não sabia o que iria acontecer”, diz.

Ele tinha 23 anos.

Nesta quarta (7), com a camisa 10 do Shakhtar Donetsk (UCR), ele vai entrar em campo para enfrentar o Manchester City (ING) de Pep Guardiola, pela Champions League.

“Deu certo”, constata, sete anos depois da aposta.

A opção de ir a países periféricos do futebol europeu é agarrada, na maioria dos casos, por jogadores que não conseguiram se destacar em grandes clubes brasileiros. Não foi o caso de Júnior Moraes, que apareceu nas categorias de base do Santos sem o “Júnior”. Era apenas Moraes.

No mesmo ano em que foi profissionalizado, fez o gol do título paulista de 2007, contra o São Caetano. Foi integrante da equipe que chegou às semifinais da Libertadores daquele ano. Tudo parecia bem.

Era um futuro que deveria estar reservado ao seu irmão. Bruno Moraes era considerado um fenômeno nas categorias de base da Vila Belmiro. Tinha mais destaque que Robinho e fazia parte de todas as seleções brasileiras de base. Não conseguiu dar o salto de qualidade no profissional, embora tenha tenha sido reserva na campanha da conquista do Brasileiro de 2002.

Desde cedo Júnior Moraes tinha aquilo na cabeça. A necessidade de provar que os outros estavam errados. Ele não era apenas filho de Aluísio Guerreiro, centroavante que atuou por Flamengo e Santos entre o final dos anos 1970 e início dos 1980. Era irmão de Bruno Moraes, que deveria explodir no profissional.

“Cresci assim porque acho que sempre houve um pouco de preconceito comigo. Nunca foi fácil. Mas de certa forma, isso moldou a minha personalidade. Quando eu decido alguma coisa, está decidido”, afirma, lembrando que o pai não queria vê-lo no Gloria, da Romênia. Preferia que aceitasse oferta do futebol português.

Mas Moraes estava desesperado para jogar, algo que quase não aconteceu entre 2008 e 2010. O técnico do Santos no ano seguinte ao seu gol do título estadual foi Emerson Leão. O novo treinador sentia inimizade por Aluísio e o chamava de “mãe de miss” por causa da insistência, em 2002, para que Bruno Moraes jogasse naquela equipe que acabou campeã nacional.

Leão quase não deu chance para o irmão de Bruno. Nos treinos, insistia que corrigir sua postura, o jeito que chutava a bola...

Cansado daquilo, o garoto pediu para ser negociado, mas o Santos não o liberou. Quando isso aconteceu, foi para a Ponte Preta, por empréstimo. Algo que o próprio atacante achou boa ideia. Não foi. 

Ele não entrou em campo pelo time de Campinas: Pior: duas semanas após ter deixado a Vila Belmiro, Leão foi demitido. O substituto foi Marcio Fernandes, antigo técnico da base que conhecia e gostava de Moraes.

“Foi um grande azar”, relembra, hoje rindo.

A passagem pelo Santo André também não deu em nada. 

Foi por isso que viu a transferência para a Romênia como algo decisivo. Não quis levar nenhum familiar. Abraçou a causa sozinho.

“Foi lá que recuperei a confiança de jogar futebol e passei a ter uma sequência.”

Como “nada é fácil”, quando o Metallurg Donetsk (UCR) acertou para comprá-lo, o impasse ficou por conta da forma de pagamento. Os ucranianos queriam parcelar. O Gloria exigia receber à vista. Nessa indefinição, Moraes novamente ficou sem jogar. Teve de entrar com ação na Fifa. Alegou que tinha seu direito de trabalhar cerceado. 

Quando obteve a liberação, foi para o CSKA Sofia (BUL), antes de ser comprado novamente pelo Metallurg.

“Da segunda vez eles pagaram à vista”, afirma Moraes.

Ele se tornou o maior artilheiro da história do clube, com 35 gols.

Casado e pai de Lucca, 3, e Júlia, 1, ambos nascidos no Brasil, Júnior Moraes jura jamais ter reclamado do problema de adaptação, o que é comum em brasileiros no futebol ucraniano.

Nunca teve de apelar para o conselho que os mais velhos dão para os novatos no país que não faz parte dos grandes da Europa, mas paga excelentes salários:

“Cada vez que ficar triste, estiver sozinho e pensar em voltar para o Brasil, entre no site do banco e olhe o saldo da sua conta.”

O atacante aprendeu a se virar no russo (língua similar ao ucraniano e o búlgaro). Tanto que não se preocupou mais em aprender outra língua. Disputou a Champions League pela primeira vez em 2015, pelo Dínamo de Kiev. 

Três anos depois, foi contratado pelo Shakhtar Donetsk, o principal clube do país. Time tão acostumado a ter jogadores brasileiros que os diretores aprendem português. As preleções são dadas pelo lusitano Paulo Fonseca em sua língua-mãe e traduzidas para o ucraniano para os demais jogadores locais.

Até os funcionários arranham o português.

“Gosto de conviver com os ucranianos. Abracei a cultura. Saio, vou a restaurantes, convivo com as pessoas. Creio que os ucranianos gostam disso.”

O objetivo maior é estar na Champions League por causa de partidas como a desta quarta. O mundo o estará vendo. Culpa da presença de Guardiola no banco adversário. 

“Champions é o sonho de todo mundo. Você fica pensando ‘vou jogar contra o time de tal jogador’. Desta vez, será contra o time do Guardiola. A gente sabe que só tem esperança se fizer uma partida perfeita, não errar em nada e eles [do Manchester City] não estiverem em um bom dia. Se a gente errar...”

Errar e acertar são resultados que já aconteceram na sua carreira. Consequência do fato de que jamais deixou de arriscar, seja para sair do Santos, aceitar o futebol romeno ou abraçar a Ucrânia. Chegou-se até a cogitar a possibilidade de ser chamado para a seleção do seu país adotivo.

“Meu sonho é a seleção brasileira. Eu sei, é difícil. Ainda mais aos 31 anos, na minha posição, que a concorrência é muito forte, e em uma seleção como a do Brasil. Mas sonhar, a gente sonha. E trabalha para isso. Quem sabe?”, conclui, questionando.

Um gol contra o time de Guardiola ajudaria.

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