Millennials bávaros abraçam roupas tradicionais em baladas da Oktoberfest

Hip-hop estrondava dos alto-falantes superdimensionados. No bar, copos de cerveja meio cheios balançavam precariamente, e uma massa de corpos adolescentes oscilava na penumbra da pista de dança. Uma noitada comum na antenada e urbana Munique.

E todo mundo estava vestindo roupa de camponeses alpinos do século 19.

Na Baviera em 2018, a tradição está na moda e os velhos costumes são “cool”. Os adolescentes bávaros, que no passado usavam jeans e camisetas na temporada da Oktoberfest, agora saem para dançar usando o tradicional vestido bávaro, o dirndl, e os calções de couro conhecidos como lederhosen.

“Dez anos atrás, raramente víamos um dirndl em uma discoteca”, disse Djerk Beyer, gerente da Neuraum, uma casa noturna muito procurada perto do local da Oktoberfest. “Agora é normal”.

O dirndl (pronuncia-se dirn-dôl), um vestido apertado e com decote profundo e corte tradicional, e o lederhosen, sua contraparte masculina, costumavam ser vistos como uniformes do pessoal mais tradicional, mais velho e mais conservador, morador de áreas rurais.

Depois de anos de avanço discreto no mercado, eles agora são a maior moda entre os membros da geração milênio, que está transformando a tradição e o folclore em uma cultura jovem capaz de surpreender os observadores externos.

“Adorei seu piercing de nariz em forma de pretzel”, gritou Martina Schulze, 17, que estava de boné de beisebol e com um dirndl verde floresta, no ouvido de sua melhor amiga —que retrucou imediatamente: ”Lindo boné de edelweiss!”

A identidade nacional pode ser um traço de união potente para os conservadores e para a extrema-direita, que está ressurgindo. Mas muitos bávaros jovens dizem que a celebração de suas origens não é um gesto político —o objetivo deles é recuperar a tradição, e ocasionalmente subvertê-la.

Em uma noite recente, a pista de dança da Neuraum era um festival do dirndl, em todas as suas infinitas variedades —um dirndl negro gótico, usado por sobre pernas tatuadas. 

Ao lado, um grupo de meninas usando vestidos tradicionais azuis e rosas, complementados por tênis. Rapazes jovens suavam usando meias de lã para proteger os tornozelos e chapéus de feltro, e dançavam se esfregando em mulheres jovens com aventais floridos.

Mesmo fora da temporada da Oktoberfest, que se encerrou no domingo depois de 16 dias de diversão e bebedeira em praça pública, os jovens mais antenados usam pingentes em forma de pretzel em seus piercings, e bonés com desenhos de edelweiss. 

Salsichas e cachorros da raça dachshund (ou seja, cachorros-salsicha) são igualmente populares como ilustração de uma identidade bávara —e o mesmo vale para “1516”, o ano em que foi aprovada a primeira lei que regulamenta os ingredientes da cerveja na Baviera.

Alguns locais de trabalho moderninhos parecem ter criado sextas-feiras do dirndl que vigoram o ano todo, e bandas bávaras como a Liquid, cujos membros usam barbas ao estilo hipster, cantam rap em denso sotaque da Baviera.

O dialeto, cujo uso costumava ser desencorajado nas creches e nas escolas municipais, está passando por uma retomada urbana. Como definiu Michelle Rödell, 19, que está estudando para ser professora e vestia um dirndl roxo, durante uma parada para descanso no bar, hoamad é o máximo.

Hoamad é a forma em dialeto bávaro da palavra heimat, um termo alemão impreciso mas evocativo que significa lar, identidade e a sensação de estar enraizado em uma paisagem familiar —talvez pelo uso de um dirndl ou lederhosen.

Por anos, o uso do termo era evitado por sua persistente associação com a era nazista.

Hitler, que iniciou sua carreira política em Munique, era fã do dirndl. O estilo hoje popular do traje foi popularizado na década de 1930. Mulheres judias não tinham direito de usá-lo.

Mais tarde, o pessoal da moda aderiu ao nacionalismo brando da União Social Cristã, a vertente bávara do partido conservador da chanceler [primeira-ministra] Angela Merkel. “Basicamente, se uma pessoa usasse dirndl ou lederhosen, seria justo supor que fosse eleitora da União Social Cristã”, disse Rödel.

Hoje em dia, mesmo a líder do Partido Verde na Baviera, que defende políticas progressistas e pró-refugiados, faz campanha vestindo um dirndl, para a eleição estadual do domingo, cujo resultado está sendo acompanhado com muita atenção.

“Isso não tem a ver com política, de jeito nenhum”, insistiu Rödel, observando a cena à beira da pista de dança e se abanando com seu avental rosa. Ela tem diversos dirndls e um agasalho com capuz onde se lê heimat. Rödel disse que na Baviera, nos orgulhamos de ser bávaros, e só.

O boom do dirndl se tornou um fenômeno de massa entre os adolescentes e os jovens adultos, disse Lola Paltinger, estilista que desenha dirndls para clientes de alta renda.

“Quando me mudei para Munique, ninguém que eu conhecesse ia à Oktoberfest de dirndl, quanto mais a uma casa noturna”, disse Paltinger. “Agora é normal”.

Ainda mais recente, ela diz, é a moda de rua com o tema heimat. Paltinger diz que essa é uma nova evolução.

Fabio Cinelli classifica a tendência como Heimat 2.0.

Ele começou a produzir camisetas com frases em dialeto bávaro em 2012. Teve a ideia ao ir a uma loja de departamentos para fazer compras e se irritar com a onipresença de frases americanas inanes na maioria das camisetas que experimentou. “College Football Team”, ele recorda, e “Highway Patrol”.

“Era tudo completamente irrelevante”, ele disse. “Foi o que me deu a ideia de usar frases em dialeto bávaro, que significassem alguma coisa para as pessoas daqui”.

Os bávaros jovens e de mente aberta queriam expressar sua identidade, mas sem excluir os outros, disse Cinelli, nascido em Munique, mas filho de um italiano. “Em uma era de crescente globalização, as pessoas querem voltar às suas raízes”, ele acrescentou.

Cinelli criou a grife online Oberlandia, que define como sendo de streetwear bávaro. Ele vende camisetas com imagens de crânios, com um edelweiss entre os dentes, e frases como “Mei Dirndl is in da Wäsch”, ou “meu dirndl está para lavar”.

Sob o olhar vertiginoso da estátua da Baviera, erigida no século 19 como personificação da pátria bávara e flanqueada por um leão gigantesco, um grupo de estudantes de segundo grau se reuniu na Oktoberfest uma tarde dessas, todos prontos para festejar.

Marlene Kinseher estava usando um dirndl comprado em um brechó acompanhado por uma jaqueta de couro e botas pretas grosseiras. Martha Koletzko disse que o dirndl é um dos poucos tipos de vestido que ela usa, porque “funciona para todas mulheres com todo tipo de corpo”.

Helena Link, também parte do grupo, disse que costumava usar jeans para ir à festa, “mas não é a mesma coisa”.

“Se você está na barraca de cerveja, em pé no banco, e todo mundo está cantando, você se sente parte de alguma coisa”, ela disse. Link recentemente comprou um dirndl em um supermercado Aldi por 30 euros (R$ 130). “De jeans, você não entra na festa da mesma maneira”.

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