Meditações sobre o amor romântico

Os mitos do amor romântico servem para escrever livros. Raramente resultam na “vida real”. O cavaleiro andante procura desesperadamente a sua princesa? Risadas. Na “vida real”, são elas que mandam. E são elas que escolhem o príncipe.
 
O diretor Howard Hawks tem um filme a respeito, que aconselho a pais e filhos: “O Esporte Favorito dos Homens” (1964). No filme, Roger (Rock Hudson) tenta exercitar a sua masculinidade no universo da pesca. Mas ele é inábil nesse esporte e são as mulheres —ou, melhor dizendo, uma mulher, Abigail (adorável Paula Prentiss), quem lhe ensina o “métier”.

O personagem de Rock Hudson não passa de uma marionete nas mãos dela, pobre coitado. E o amor só acontece quando Abigail quer, não quando ele quer.
 
A mensagem do filme é simples e poderosamente antirromântica: em matéria sentimental, o máximo que um homem pode fazer é sinalizar que está disposto a ser ensinado. Mais nada. Espero um dia ensinar isso ao meu filho: “Rapaz, não sejas um idiota como o teu pai, que perdeu anos de vida a bater com a cabeça contra as paredes”.
 
O mesmo vale para o mito simpático de que o destino nos reserva uma “alma gêmea”. Pense um bocadinho, leitor ou leitora: quais são as reais hipóteses de, numa vida tão curta e imprevisível, encontrar aquela pessoa com as doses certas de beleza, inteligência, gentileza e bom caráter? 1%? Menos? Eu acho que é bem menos.
 
Mas também acho que as hipóteses serão maiores se as pessoas optarem por anúncios pessoais. Sim, eu sei: os anúncios têm má fama porque não são “românticos”. Persiste ainda a ilusão de que o único amor que vale a pena encontra-se “cá fora”, no mundo, na beleza do acaso.
 
Pelo amor de Deus: basta olhar para Agustina Bessa-Luís, o maior gênio vivo da literatura portuguesa. Quando chegou aos 20 e poucos anos, publicou um anúncio no jornal em que manifestava interesse em se corresponder com uma pessoa culta. Foi assim que conheceu Alberto Luís, com quem esteve casada 72 anos, até à morte dele em 2017.
 
Eu próprio, inspirado pela história, cheguei a redigir um pequeno texto para publicação no jornal quando os 20 anos chegaram:

HOMEM, 20 ANOS, TESTA ALTA MAS BOM CORAÇÃO.
FICHA CLÍNICA RAZOÁVEL. HÁBITOS DE HIGIENE ASSIMILADOS.
AINDA DORME COM LUZ DE PRESENÇA, MAS HÁ PROGRESSOS.
PROCURA MOÇA PARA AMIZADE OU ALGO MAIS.

Ninguém respondeu. Não sei se foi por causa da “testa alta” ou da ficha clínica “razoável”.
 
Hoje, anúncios desses são coisa arcaica. Temos a internet. No Reino Unido, informa o Daily Telegraph, 1 em cada 5 relações começa online. Em 2040, é possível que a cifra atinja os 70%. É um progresso, sem dúvida, que poupa tempo, dinheiro e energia mental.
 
Aliás, esses sites não promovem apenas relacionamentos. Também garantem “feedback”. A jornalista Jemima Lewis investigou o assunto e afirma que apps como o Hinge e o Do I Date são uma espécie de Amazon hormonal: consumimos, classificamos e depois o site sugere novos encontros com outras pessoas. “Se gostou da Teresa, sugerimos a Francisca”, “Se gostou do Luciano, sugerimos o Pedrinho”.
 
O Do I Date vai mais longe e apresenta-se como o TripAdvisor dos relacionamentos: uma pessoa sai, janta, entra em intimidades —e no dia seguinte pode classificar online a performance do outro. “Ronca” ou “Grita 'Superman!' quando atinge o orgasmo” são comentários possíveis. Mas chega de falar de mim.
 
Claro que nem tudo são maravilhas. Na Amazon, por exemplo, existe uma política inteligente de devolução do produto a custo zero. Se o material vem danificado ou se houve erro da empresa, há sempre a possibilidade de troca.
 
Imagino essa liberalidade nos encontros românticos —a conversa rola, ou as intimidades rolam, e um dos comensais confessa:
 
- Mil perdões, não era bem isso que eu estava à espera.
 
- Você vai me devolver?
 
- Vou. Mas, por favor, entenda: o problema não sou eu, é você.

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