Marketing vegetariano força os limites da lei, do bom senso e da língua portuguesa

Adoro feiras. De qualquer tipo. Por isso, enfiei-me outro dia na NaturalTech, uma exposição bem grandona no Anhembi (zona norte de São Paulo).

Difícil definir a NaturalTech. Tinha cosméticos. Tinha ração para cães e gatos. Para os ratos –de academia–, tinha suplementos para ficar forte. Tinha cachaça, gim e vodca. Tinha até uns xaropes de cor fosforescente para usar em coquetéis.

O denominador comum: todos os itens rotulavam-se como “saudáveis”. No caso dos xaropes, a suposta saúde vinha da substituição do açúcar por adoçante sintético.

Meu interesse estava na comida. Os expositores negociavam até picanha, mas as palavras de ordem na maioria dos estandes eram: “vegetariano” e “vegano”.

Trata-se de um nicho pouco explorado do setor de alimentos. Como ainda é tudo mato nesse terreno, quem abre as picadas sente-se livre para ignorar limites. Impressiona a desfaçatez das estratégias de marketing de alguns produtos.

Uma barraca vende ghee vegano. Ghee é o nome indiano da manteiga clarificada –descarta-se a proteína, fica a gordura. Manteiga é feita de leite, e a lei brasileira determina que imitações vegetais não devem ser vendidas com este nome.

Naturalmente, a legislação não é específica a ponto de normatizar o ghee.

Provo o tal ghee vegano.

– Tem gosto de margarina – queixo-me à moça do estande.

– Mas é um creme vegetal – responde-me ela, como quem diz “o que você esperava?”.

Depois da margarina para hipsters, dirijo-me a um pequeno expositor que anuncia bacon vegano. Eu gosto de bacon.

Haja boa-vontade para chamar de bacon uns nacos murchos de batata assada e defumada. Os deuses do bacon se irritam, vamos mudar de assunto. Frango.

Desta vez visito um expositor grande. O povo se aglomera ao redor da moça do frango de ervilha –um óbvio contrassenso. É assim mesmo, porém, que a  caixa de papel-cartão anuncia seu conteúdo. “Frango” em letras garrafais; “à base de ervilha” em corpo miúdo, tipologia cursiva, difícil de ler.

A garçonete chega com a coisa picada e grelhada na chapa. Boa aparência. Na boca, textura de frango malcozido, quase cru. Desagradável. Sabor indefinido. Pífio.

Ela pergunta se eu gostei. Eu digo que mais ou menos, mas que não se parece com frango.

– Já vi que você é carnívoro – comenta a moça do estande. Macacos me mordam, descobriram o meu disfarce.

No caminho da saída, um estande me chama a atenção. Oferece pipoca embalada em sacos opacos de salgadinho industrial. É industrial, mas a embalagem teima em dizer o contrário: “pipoca artesanal”.

O termo “artesanal” pode ser controverso, mas aqui temos um claro atentado ao bom senso e à língua portuguesa. Praticamente todas as outras pipocas do Universo são mais artesanais do que aquela –que sai embalada de uma fábrica.

Lá fora, enquanto espero o Uber que não veio, recorro ao pipoqueiro. Pipoca artesanal, vegana, sem colesterol, sem glúten, sem lactose e sem gordura trans.

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