Léo Coutinho: Por uma Câmara com 2001 deputados

Para celebrar o aniversário dos seus 30 anos, o PSDB preparou um bolo que funciona como uma torta na cara de quem acreditou no ideário tucano original. O partido que nasceu compromissado com a defesa do parlamentarismo agora quer diminuir o número de representantes no Congresso Nacional.

Com inegável apelo eleitoreiro, dada a descrença popular em relação à chamada classe política, a proposta apresentada pelo líder da bancada tucana na Câmara, deputado Nilson Leitão, se apega à economia que seria alcançada, algo em torno de R$ 1,3 bilhão em quatro anos. Mas não passa de sofismo financeiro; a seguir, pretendo demonstrar o porquê.

Pelo texto, que já tem as assinaturas necessárias para ser protocolado e ainda cresce, o número mínimo de deputados federais por estado seria reduzido de oito para quatro e, o máximo, de setenta para 65. No todo, a Câmara passaria de 513 para 395 cadeiras, e o Senado teria 54 no lugar das atuais 81.

O bolo conta ainda com a cereja narrativa que submete o Executivo à dita austeridade, prevendo emenda à LDO de 2019 para diminuir em 20% o custeio do governo. As aspas do deputado Leitão são puro açúcar de confeiteiro: “Não é para reduzir a gasolina da ambulância, mas tirar carro oficial do ministro.”

Se levada a debate consequente, a primeira pergunta ante a proposta seria sobre a Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap), que inclui benesses de todo tipo, incluindo R$ 4,5 mil por mês para cada deputado gastar em combustíveis e lubrificantes. Segundo o site da Câmara, o deputado Leitão gastou só em 2017 R$ 427.665,48 da Ceap, valor equivalente ao salário anual de mais um deputado, incluindo décimo terceiro.

Além da Ceap, que varia entre R$ 27.977,66 e R$ 41.612,80 por mês de acordo com o estado de origem do deputado, ainda há R$ 78 mil mensais para a contratação de até 25 secretários e R$ 3.800 para auxílio-moradia e despesas hospitalares por conta da Casa para internação em qualquer hospital do país.

É óbvio que o problema de gastos com o funcionamento do Congresso Nacional mora aí, nas verbas além dos salários, e não no número total de representantes. Este, a rigor, deveria ser ampliado. O Brasil tem a oitava menor Câmara de Deputados do mundo em termos proporcionais.

Doutor em ciências políticas pela Universidade Federal do Paraná com extensão na Universidade de Montreal, Márcio Carlomagno comparou a democracia brasileira com a do Reino Unido. Lá, só na Câmara dos Comuns são 650 deputados para 60 milhões de habitantes. Aqui, com população de 200 milhões, temos apenas 513 deputados. Isto é, enquanto os ingleses têm um representante para cada 97 mil representados, cada deputado brasileiro representa 390 mil cidadãos.

Se a proposta tucana avançar, a fatia do bolo destinada a cada deputado, que não é outra coisa se não concentração de poder, vai aumentar nessa proporção. E com um efeito imediato: o custo para fazer e manter o bolo também vai crescer. Os milhões de reais que entram como fermento na campanha de um deputado federal e os esquemas de corrupção de onde eles brotam estão diretamente relacionados ao cálculo de representatividade.

Porém, se impulsionada pela proposta a sociedade conseguir realizar um debate sério e transformador, atacando a raiz do problema, poderá economizar perto de R$ 8 milhões por mês aumentando o número de deputados dos atuais 513 para 2001, que seriam eleitos por distritos de até 100 mil cidadãos, diminuindo o custo de campanha e a distância entre representantes e representados, que por sua vez poderiam exercer maior participação política e controle social.

A conta é simples: benesses como a Ceap e até 25 secretários por deputado custam aproximadamente R$ 57 milhões por mês; 1.488 deputados a mais sem esse tipo de privilégio custariam algo em torno de R$ 49 milhões.

Na parte física do Parlamento nada precisaria ser alterado. Os amplos gabinetes, sem necessidade de abrigar tamanhas galerias, poderiam ser adaptados aos novos eleitos —e o plenário, que raramente fica lotado, quando fica, não é de deputados, mas de seus convidados, financiadores, lobistas e bajuladores em geral.

Como vimos na votação do último impeachment, uma dessas raras ocasiões de lotação plena, os deputados em plenário costumam oferecer as primeiras fatias de bolo aos seus cônjuges e filhos. Quem sabe se melhorássemos a representação, eles se lembrassem da sociedade.

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