Justiça Eleitoral copia Lava Jato para investigar casos de corrupção

A Justiça Eleitoral decidiu seguir o modelo da Lava Jato e passou a criar zonas especializadas pelo país para dar conta de recente decisão do Supremo Tribunal Federal. Segundo o STF, crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, quando investigados junto com caixa dois, devem ser processados no braço eleitoral da Justiça, e não no Federal.

Trata-se de uma reação ao argumento de ministros e procuradores de que a Justiça Eleitoral poderia ser usada para frear investigações da Lava Jato devido à falta de estrutura e de expertise para lidar com apurações sobre lavagem de dinheiro e crimes transnacionais.

Essas novas medidas agora incluem ainda cursos de capacitação de servidores e juízes eleitorais sobre esses temas, que normalmente não eram abordados nos TREs (Tribunal Regional Eleitoral), que têm entre suas atribuições organizar as eleições de dois em dois anos no país.

Os TREs do Rio Grande do Sul e da Bahia, por exemplo, já determinaram que casos de corrupção com elos com crimes eleitorais sejam enviados para apenas duas zonas eleitorais dos estados, independentemente do local de onde aconteceram os fatos. 

Com isso, os casos de suspeitas de corrupção cairiam sempre com os mesmos juízes, criando uma afinidade com o tema que poderia acelerar o andamento dos casos. A resolução sobre o tema na Bahia cita que “há crescente complexidade e dificuldade de processamento das investigações”.

É uma inovação no histórico da Justiça Eleitoral, onde o local de domicílio do alvo determina a área na qual os fatos são apurados.

Esse formato de especialização repete o adotado na Lava Jato, onde a 13ª Vara Federal de Curitiba, na qual atuava o ex-juiz Sergio Moro, é especializada em crimes financeiros, e o titular se dedica apenas a casos ligados à Lava Jato, o que tende a dinamizar suas medidas.

No Rio, o juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, também ganhou notoriedade ao concentrar casos conexos da operação, como os relativos ao ex-governador Sérgio Cabral.

A Justiça Eleitoral do Rio e do Paraná, os dois principais estados da Lava Jato, já manifestaram interesse por essa alternativa, mas as presidências dos respectivos TREs decidiram aguardar a discussão no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para regulamentar a decisão.

Uma audiência pública no tribunal em Brasília acontecerá nesta sexta-feira (3) e deve debater o assunto.

Em março, por 6 votos a 5, o Supremo decidiu que crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, quando investigados juntos com caixa dois eleitoral, devem ser processados na Justiça Eleitoral, e não na Federal, o ramo do Judiciário responsável pela Lava Jato desde o seu início.

“Pela complexidade [dos casos], a gente vai ter que dar uma resposta rápida, justamente para acabar com a afirmação de que a Justiça Eleitoral seria inapta”, diz o promotor Rodrigo Zilio, que coordena promotores eleitorais no Rio Grande do Sul.

No estado, assim como na Bahia, as novas resoluções preveem que os juízes das zonas eleitorais especializadas fiquem por um período maior do que os dois anos regulamentares se isso for necessário para dar andamento aos casos de corrupção. 

Uma das críticas ao trâmite dessas investigações na Justiça Eleitoral é a de que os promotores e juízes atuam nessas zonas eleitorais por prazos determinados, diferentemente de procuradores e juízes da primeira instância federal.

Os TREs também tentam organizar uma força-tarefa de servidores voltados especificamente para esse tipo de investigação, como o Núcleo de Assessoramento Criminal, recém-instituído na Bahia, composto por funcionários com formação jurídica.

No Rio, o plano é treinar funcionários e também os juízes eleitorais em temas como lavagem de dinheiro e ocultação de bens chamando especialistas, magistrados e ex-ministros.

As equipes da Justiça Eleitoral precisarão estar familiarizadas com instrumentos que não tinham relação direta com seu dia a dia, como acordos de colaboração, informes do Coaf (órgão federal de inteligência que detecta movimentações financeiras atípicas), informações contábeis e relatórios de interceptações telefônicas.

“O magistrado eleitoral vem dos Tribunais de Justiça, é emprestado. Pode ser que no TJ ele não milite na área criminal. Às vezes o magistrado não conhece aquela área no cotidiano”, diz o diretor-geral do TRE do Rio, Bruno Andrade.

Defensores da mudança argumentam que a responsabilidade pelas investigações continuará com a Polícia Federal, corporação que deu início à Lava Jato. No Rio, a Justiça Eleitoral tem procurado magistrados que atuam na Lava Jato na Justiça comum para levantar gargalos e entender o processamento de crimes.

Entre os entraves, está até a adequação dos sistemas de processo eletrônico, já que o usado no âmbito eleitoral não é o mesmo do adotado na segunda instância do Rio nem do utilizado pela Polícia Federal no Paraná.

No Ministério Público, também há preparativos. Em Minas, onde a especialização de zonas eleitorais também é analisada, o plano é obrigar os próximos promotores que ficarem com esses casos a ter experiência prévia em casos penais. A criação de forças-tarefas, nos moldes da Lava Jato paranaense, não é descartada. 

Em março, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao TSE que autorizasse juízes federais de varas especializadas em corrupção e lavagem a trabalhar em casos eleitorais. A sugestão foi criticada por entidades como a Associação Brasileira de Magistrados.

O diretor-executivo no Brasil da ONG Transparência Internacional, Bruno Brandão, afirma que as medidas articuladas nos estados devem ser insuficientes para compensar as consequências da decisão do STF em março.

Para ele, é impensável estruturar adequadamente uma Justiça “que não é vocacionada para isso”. 

“É positivo que haja um movimento de adaptação mínima, no que é possível ser feito. Mas isso só vai mitigar um dano desastroso que se anuncia para a investigação e para o processamento de dados de alta complexidade, de grande corrupção, envolvendo financiamento de campanha e outros crimes correlatos.”

 

Justiça Eleitoral x Justiça Federal

O que foi decidido pelo STF?
O tribunal decidiu no dia 14 de março que processos envolvendo caixa dois (crime eleitoral) associado a delitos como corrupção e lavagem de dinheiro (crimes comuns) devem ser julgados pela Justiça Eleitoral. A Procuradoria-Geral da República e a força-tarefa da Lava Jato queriam que as ações fossem fatiadas: a parte referente a crimes eleitorais seria remetida à Justiça Eleitoral e a relativa a delitos comuns ficaria a cargo da Justiça Federal

Quais as consequências da medida do Supremo?
Defesas começaram a pedir o envio de processos e investigações da Justiça comum para a Eleitoral e a anulação de ações já sentenciadas no âmbito da Lava Jato em Curitiba. Os TREs (Tribunal Regional Eleitoral) também passaram a se preparar para um envio em massa de investigações com conexões com crimes que não estavam habituados a tratar, como lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio.

Quais são as medidas estudadas?
Rio Grande do Sul e Bahia já decidiram que casos desse tipo serão tratados apenas em duas zonas eleitorais cada, que terão jurisdição sobre todo o estado. A ideia é criar uma especialização que facilite o andamento dos processos e agilize os julgamentos.

Quais os entraves para a atuação da Justiça Eleitoral?
Esse braço do Judiciário historicamente não tem a mesma a especialização para tratar de assuntos abordados na Lava Jato, como crimes financeiros, que demandam investigações complexas e até cooperações internacionais. Além disso, ganham mais uma atribuição, embora já tenham como função organizar as eleições e julgar, por exemplo, pedidos de cassação de mandato e de registro de candidaturas.

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