Juan Guaidó, o breve?

Em janeiro de 2017, já distante da produção literária, o escritor americano Philip Roth retomou as descrições que fazia da bestialidade humana para caçoar de Donald Trump. 

Mais do que os adjetivos que os contrários ao presidente dos EUA frequentemente usam para atacá-lo, o romancista apontou, em entrevista à revista New Yorker, um outro aspecto do republicano: o vocabulário enxuto, que teria apenas “77 palavras”. 

Ainda que a falta de recursos linguísticos do líder de uma nação como os EUA esteja na prateleira das bestialidades humanas, o número escolhido por Roth foi um exagero cômico.

Talvez seja possível dizer que o vocabulário de Juan Guaidó, líder oposicionista que protagoniza o noticiário sobre Venezuela há três meses, seja tão vasto quanto o de Trump. 

Em seus discursos, Guaidó parece um disco riscado que gravita em torno da palavra “usurpador”. Desde que se declarou presidente interino, foram poucas as vezes em que suas falas tenham pegado na veia ou não passassem de déjà-vu. 

A pobre oratória do venezuelano escancara a falta de repertório e carisma que seriam necessários para liderar a deposição de Nicolás Maduro. Entretanto, fossem só as palavras o problema de Guaidó, a vida da oposição venezuelana estaria fácil. 

Tanto a investida para tirar o chavista do poder com ajuda de militares dissidentes quanto a frustrada tentativa de entrada de ajuda humanitária foram marcadas por improviso.

No fim de fevereiro, mesmo impedido pela Suprema Corte venezuelana de deixar o país, cruzou a fronteira para coordenar a entrega de mantimentos. O plano não deu certo e, pior, não sabia como voltar à Venezuela.

Por isso, emendou uma turnê por países sul-americanos que o apoiam, decidindo o itinerário a cada dia e mudando agendas a todo momento. O que sobra de ousadia falta em estratégia.

Na terça (30), outro lance surpreendente foi seguido de um deus nos acuda. Ao lado de desertores da Guarda Nacional Bolivariana, Guaidó apareceu com Leopoldo López, que até então estava em prisão domiciliar, para anunciar o apoio de militares para tirar Maduro.

A reação do regime mostrou que as deserções não atingiram altas patentes das Forças Armadas. Guaidó sumiu e só voltou a aparecer ao fim da noite, com mais uma declaração insossa nas redes. Já López não sabia se dormia na embaixada do Chile ou na da Espanha.

Mas agora López não está mais confinado em casa. Mentor do plano de lançar Guaidó à presidência da Assembleia Nacional e depois transformá-lo em “presidente interino”, ele ainda é a grande figura do partido Vontade Popular.

Tão grande que foi condenado a 14 anos de prisão, algo que não ocorreu com o colega. Seria natural que López usurpasse o protagonismo de Guaidó. 

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