José Antonio Diniz de Oliveira: Na assistência privada à saúde, o que serve para os EUA não pode no Brasil

​Não passou indiferente para quem atua na área da saúde a notícia de que a Amazon, a Berkshire Hattaway e o JP Morgan se uniram para oferecer um sistema próprio de saúde para seus funcionários, tendo contratado como CEO nada mais nada menos do que Atul Gawande —cirurgião, escritor e pesquisador de saúde pública, além de professor do Departamento de Política de Saúde e Gestão da Escola de Saúde Pública de Harvard e de Cirurgia na Faculdade de Medicina da mesma universidade.

​A motivação para criar um sistema sem fins lucrativos para autogerir a assistência oferecida aos funcionários das três empresas é a insatisfação com o custo e com a qualidade do modelo oferecido atualmente pelas operadoras americanas.

A iniciativa pretende, segundo o recém-contratado, combater três tipos de problema: altos custos administrativos, preços elevados e uso indevido do plano de saúde.

​A notícia mexeu com as grandes operadoras americanas, que, afinal, vão perder mercado. As operadoras brasileiras, no entanto, podem ficar tranquilas e respirar aliviadas porque aqui a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) emitiu a Resolução Normativa 355, que só admite a junção de trabalhadores caso suas patrocinadoras pertençam ao mesmo ramo de atividade. 

​Dizendo de outra forma, aqui, a Amazon, que é uma empresa que detém uma plataforma digital de venda e distribuição de produtos e soluções em informática (ramo de atividade: varejo) não poderia se associar ao JP Morgan, uma empresa do ramo financeiro; e ambas não poderiam se juntar à Berkshire Hattaway, que atua em diversas atividades comerciais.
 
​A autogestão é a mais antiga forma de prestação de assistência médica suplementar no Brasil, surgida em 1944, quando foi criada a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (Cassi).
​Vários atributos diferenciam as autogestões (também denominadas “serviços de saúde próprio de empresas”) dos demais segmentos que atuam no mercado. É ​distintiva nas autogestões, por exemplo, a característica de não expulsar os mais velhos, como acontece no setor lucrativo, em função de preços proibitivos na última faixa etária.

De acordo com a ANS, no segmento das autogestões a população acima de 60 anos corresponde a 23,8% do total dos beneficiários de assistência médico-hospitalar, quase o dobro da mesma taxa verificada em todo o setor suplementar (13,3%).

​As autogestões são classificadas como entidades de fins não econômicos, ou seja, não têm finalidade lucrativa. Isso pode parecer pouco importante em um ambiente capitalista, mas não é, especialmente porque estamos tratando do mercado da saúde, considerado pelos estudiosos como um dos mercados mais imperfeitos, pois a busca do lucro é responsável por vários desvios de conduta e pela realização de procedimentos desnecessários.

Frise-se ainda que as autogestões não gozam de nenhum privilégio tributário, a não ser obviamente não serem taxadas sobre o lucro a que não visam. As exigências da ANS também são as mesmas das demais operadoras de mercado. Por isso, é incompreensível o fato de não poderem se associar a outras autogestões ou mesmo buscarem adesões livremente como os demais segmentos (cooperativas, seguradoras e medicina de grupo).

​Um segmento que possui atributos tão positivos deveria ser estimulado a crescer. No entanto, as autogestões vivem uma quadra difícil, ameaçadas pelo cerceamento de atuação imposto pela própria agência reguladora, o que resulta em pequeno número de vidas (76% com menos de 20.000 vidas), fato que aumenta substancialmente o chamado risco relativo (chance da ocorrência de um único evento poder desequilibrar financeiramente a operadora).

Não seria demais esperar que a ANS explicasse os fundamentos que inspiraram a resolução normativa citada. Qual a justificativa para isso? Com a palavra, a ANS.

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