Impeachment de Trump não resolveria polarização, diz cientista político

O cientista político David Runciman, 51, diz que começou a pensar sobre o fim da democracia em 8 de novembro de 2016, quando Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos.

“Se Trump é a resposta, é que não estamos mais fazendo a pergunta certa”, afirma o professor da Universidade de Cambridge em seu novo livro, “Como a Democracia Chega ao Fim”, lançado em junho nos EUA e publicado neste mês no Brasil pela Todavia.

Quase dois anos após a eleição do republicano, a polarização política aguda nos EUA parece não dar sinais de recuo, e Runciman não vê com bons olhos a possibilidade de um impeachment.

“Se Trump sofrer um impeachment, isso não resolveria as diferenças entre seus apoiadores e opositores”, afirma Runciman à Folha. “Seus apoiadores vão chamar de golpe.”

A possibilidade de processo voltou à discussão depois que o ex-advogado do presidente admitiu à Justiça ter violado leis de campanha para pagar pelo silêncio de duas mulheres a mando de Trump.

Caso o presidente permaneça no cargo, e mais, vença a próxima eleição, em 2020, “muitos de seus opositores vão dizer que Trump assumiu o controle da democracia americana”.

“O que temos agora nos Estados Unidos é que ninguém mais sabe realmente o que conta como golpe”, afirma o analista britânico.

“Olhamos para o passado em busca de exemplos de quando a democracia claramente falhou”, diz Runciman, usando a década de 1930 como exemplo. “Pensamos que, para a democracia falhar, a falha tem que ser visível, tem que haver uma ruptura clara.”

Essa ruptura seria representada, naquela época, pela ascensão dos regimes totalitários na Europa.

Mas Runciman defende que outra década, pouco observada pelos analistas, serve como um guia melhor para nossos problemas atuais, a de 1890.

“Na Europa e nos EUA, os anos 1890 foram uma era de populismo. Também foi um período de transformação tecnológica em comunicações e transportes. Foi o último grande período de aumento da desigualdade, como vemos hoje, e era um período de paz, não de guerra mundial.”

A frustração com a classe política na última década do século 19 era expressada sem golpes de Estado ou a ascensão de ditadores.

“A política democrática parecia ter sido capturada pelos bancos e pelos interesses financeiros, havia muitas teorias da conspiração”, lembra Runciman. Todos, para ele, bons elementos para se traçar um paralelo com o estado da democracia hoje.

“Os anos 1890 são mais como agora porque o populismo não é o oposto da democracia, é um produto dela.”

Em seu livro, o cientista político analisa três maneiras que podem dar cabo da democracia: um golpe, uma catástrofe —climática ou nuclear— ou a revolução tecnológica atual.

Para ele, a maior ameaça à democracia no século 21 vem da ampliação do Poder Executivo que já se manifesta em países como Venezuela, Turquia e Hungria.

“O que se vê com esse tipo de autoritarismo não é uma ruptura clara com a democracia. Ainda temos eleições nesses países e há muitas instituições da vida democrática. Mas há cada vez mais poder concentrado no Executivo. E mesmo nos EUA Trump gostaria de ir nessa direção.”

Não é que os EUA, onde a democracia foi estabelecida há mais de dois séculos, vão se transformar em uma Hungria ou Venezuela, em que o Estado democrático é muito mais jovem.

Mas Trump, assim como Barack Obama fez antes dele, lançou mão de decretos executivos para avançar medidas que, diante de um Congresso hostil, não iriam para frente.

“Pedir ao Executivo para fazer as coisas é uma ameaça real à viabilidade da democracia. O problema é que ninguém tem uma solução clara de como fazer a política parlamentar funcionar de novo”, avalia Runciman.

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