Imigrante conta sua história em centro de detenção familiar nos EUA

Saí de El Salvador e vim para este país em 2014, em busca de segurança para mim e meu filho. Em vez disso, eu me vi trancafiada em um centro de detenção familiar de imigrantes. É uma experiência que não desejo para ninguém.

Quando soube que quase 3.000 crianças tinham sido separadas dos pais na fronteira, fiquei arrasada. 

Agora Donald Trump bate no peito dizendo que suspendeu esse procedimento, colocando pais e filhos em centros de detenção familiar —prisões como aquela em que meu filho, na época com seis anos, e eu ficamos. Só que essa não é a solução, apenas transforma um trauma em outro.

Fui forçada a fugir do meu país por causa da violência e das ameaças contra mim e minha família. Quando era adolescente, meu pai e eu testemunhamos um assassinato cometido por membros da gangue local.

Em 2005, ele foi morto por ter prestado depoimento. 

As gangues também me ameaçaram, mas, como o caso do homicídio foi arquivado, pude tocar a vida e até consegui um emprego na polícia. Entretanto, vários anos depois, voltaram a ameaçar me matar. Foi quando decidi que tinha que deixar o país, levando meu filho e minha irmã de 16 anos comigo. Se tivéssemos ficado, teríamos sido todos mortos.
 

El Salvador tem uma das taxas de criminalidade mais altas do mundo, por isso eu sabia que a ameaça era séria. Precisava encontrar um lugar seguro para a minha irmã, meu filho e para mim. 

Nossa única opção era fugir para um país onde não poderíamos ser encontrados com facilidade: os EUA.

Só que, mesmo depois de cruzar a fronteira, não tivemos alívio; pelo contrário, passamos dois meses detidos em um centro em Artesia, no Novo México, de propriedade de uma empresa particular.

As condições de vida ali eram horríveis. A comida quase sempre estava estragada, o leite, azedo, e as crianças não recebiam nada para comer entre as refeições principais. Se e quando guardávamos alguma coisa, tomavam tudo, alegando medo de ratos nos dormitórios. As crianças iam dormir com fome. 

Só tomávamos água entre as refeições se pedíssemos aos guardas, que nem sempre nos atendiam. E, se bebêssemos a que nos davam, acabávamos doentes.

Não era lugar para nenhum ser humano, quanto mais para famílias com crianças.

Quando elas adoeciam, tínhamos que esperar vários dias pelo atendimento médico. Quando uma mãe, cuja filha tinha asma, avisou os funcionários que a menina precisava de cuidados, ouviu que devia ter pensado nisso antes de tentar entrar nos EUA. Outra pediu assistência para o filho, mas não recebeu. Foi deportada e o garoto acabou morrendo meses depois.

Éramos proibidas de dormir na mesma cama que nossos filhos, mesmo os mais novinhos, que precisavam da mãe por perto para se sentirem seguros. As deportações geralmente aconteciam durante a madrugada, quando o pessoal era acordado com lanternas apontadas para o rosto.

A maioria dos guardas não falava espanhol, o que dificultava a comunicação. A coisa era ainda pior para as mulheres indígenas que só falavam a língua nativa. Uma vez, forçaram uma índia a tomar banho quando estava menstruada, violando não só sua privacidade como também sua crença cultural. 

Sendo mulher, testemunhar esse tipo de tratamento foi desolador —e nunca esqueci, embora já tenha acontecido há anos.

Até que nos uníssemos e começássemos a fazer exigências, não havia nenhuma assistência legal que nos informasse de nossos direitos e nos orientasse ao longo do processo do pedido de asilo. Muitas mulheres foram deportadas antes de qualquer audiência, pressionadas a assinar os papéis de banimento.

O efeito disso tudo nos nossos filhos foi inegável.

Os mais novos não conseguiam entender por que não podiam sair. As histórias que inventavam recriavam os perigos pelos quais tinham passado para chegar ali. 

Os personagens de suas brincadeiras eram os coiotes (contrabandistas que ajudam as pessoas a atravessarem a fronteira), “la migra” (os patrulheiros de fronteira) e os juízes. 

O mundo delas se resumia ao centro de detenção. As que tinham idade para entender o que estava acontecendo não aceitavam a situação, e ouvi falar de adolescentes que tentaram se suicidar.

Meu filho, hoje com dez anos, raramente fala da experiência e, por isso, é muito difícil saber até que ponto ela o afetou. Porém, como o pai foi detido recentemente, ele começou a se lembrar —e a se preocupar.

Vivo me perguntando se ele está sendo tratado como nós fomos. E não sei como responder porque também me lembro do que passamos.

Minha irmã caçula também sofreu na detenção. Já tinha sido afetada pela situação em El Salvador e pela morte de nosso pai, mas ficar presa no centro a abalou ainda mais. 

A falta de liberdade e o tratamento subumano resultaram em uma depressão profunda; ainda hoje ela precisa de apoio psiquiátrico constante.

Outras crianças que conheci no centro também ficaram traumatizadas, têm pavor de policiais em geral e vivem com medo de voltar à detenção. Afinal, elas se lembram do local exatamente pelo que é: uma prisão.

Depois da revolta generalizada contra a separação de famílias como consequência de sua política de tolerância zero, Trump assinou uma ordem executiva que mantém as famílias unidas nos centros de imigração indefinidamente. Só que isso não é solução, é uma sentença.

Quem já passou pela detenção familiar não pode se calar sabendo que muitas famílias vão passar pelo que nós já passamos. 

O governo Trump tem que parar de processar os pais cuja única infração cometida foi a de cruzar a fronteira. Tem que parar de colocá-los atrás das grades, assim como seus filhos, em instituições criadas por empresas que só pensam em lucro. 

Não faz sentido punir com requintes de crueldade os imigrantes em busca de asilo por tentarem fazer o que todo pai faz, ou seja, proteger os filhos, mantê-los em segurança. Aqueles que estão fugindo de situações perigosas devem ter direito à chance de encontrar segurança nos EUA.

O meu caso ainda está em andamento e meus filhos e eu continuamos aguardando a audiência final. Caso o asilo me for concedido, não vai acabar o medo que continuo sentindo. Minha mãe permanece em El Salvador, mas eu nunca mais vou poder voltar para lá. 

Pelo menos agora estamos em um lugar seguro, e meu filho, recebendo cuidados, mas jamais vou me esquecer daqueles dois meses de terror.

A autora, uma salvadorenha em busca de asilo, escreveu o artigo em condição de anonimato por causa das ameaças que ela e sua família receberam, tanto nos EUA como em El Salvador

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