Governo diz a ONGs que quer monitorar uso de dinheiro público, e não controlá-las
Emissários do governo Jair Bolsonaro (PSL) tentaram levantar bandeira branca em uma reunião com representantes de ONGs nesta quinta-feira (21) em São Paulo. Disseram que o monitoramento temido pelas organizações não significará controle do Estado sobre o trabalho delas e que o foco maior será na fiscalização do uso de dinheiro público.
Os enviados de Brasília pediram aos cerca de 20 porta-vozes do setor que "baixem os escudos e as armas" na discussão iniciada depois de uma medida provisória, a MP 870, publicada no segundo dia do mandato do novo presidente.
O ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz, era esperado no evento, na Escola de Direito da FGV, na Bela Vista (região central). Cabe à pasta dele, de acordo com o texto, o papel de "supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações" das entidades.
Santos Cruz não pôde comparecer "em razão dos incêndios que estão acontecendo em Brasília", justificou no início do encontro o secretário de Articulação Social do ministério, Iury Revoredo Ribeiro —o general tem atuado como "bombeiro" em crises como a demissão do ex-ministro Gustavo Bebianno.
"Peço apenas a vocês o benefício da dúvida, que a gente baixe um pouco os escudos, as armas, e conversemos", disse o secretário escalado para ouvir as reclamações. O temor é que o governo queira interferir indevidamente no trabalho das associações, contrariando pilares democráticos e constitucionais.
A representantes de entidades como Conectas Direitos Humanos, Instituto Ethos e Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), Ribeiro reiterou o discurso de Santos Cruz. Negou que o governo tenha a intenção de intervir nos grupos, falou que "a redação talvez foi um pouco imprecisa" e informou que a preocupação maior é com a parcela que recebe recursos públicos.
Segundo dados apresentados por ele na reunião, 820 mil organizações estão cadastradas no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Uma das intenções do pente-fino é descobrir se o número procede, já que há outras bases de dados nacionais.
“As que recebem [repasses] são menos de 1%. Mas os valores de repasses são altos. Nos últimos quatro anos, foram quase R$ 5 bilhões de reais", disse.
De acordo com o secretário, o principal interesse do Planalto "é fazer uma coleta de dados, um diagnóstico, em razão do volume de recursos que é despendido".
Como a ordem de Bolsonaro é reduzir gastos, "o governo não pode fechar os olhos a um orçamento bilionário". O intuito, disse Ribeiro, é verificar se entidades que executam serviços com verba pública estão melhorando na prática a vida dos cidadãos.
"Queremos entender como o gasto está repercutindo lá na ponta, como o ministério [que assinou os contratos] está vendo isso daí, para poder verificar exatamente os resultados."
Ele relatou, sem entrar em detalhes, a existência de organizações envolvidas em casos de sabotagem empresarial e em esquemas de corrupção. Em outras situações haveria conflito de interesses, com dirigentes tendo poder para influenciar a liberação de verbas para suas entidades.
Em seguida, ponderou: "Temos visto organizações que são modelo em relação a prestação de contas, boas práticas de gestão. E temos todo o interesse em divulgar essas boas práticas".
Representantes das ONGs presentes ao evento elogiaram a disposição para o diálogo, mas não se convenceram por completo. Questionaram, por exemplo, se o governo não deveria ter sido mais explícito no texto da MP, para deixar claro que o acompanhamento seria restrito às entidades que manejam recursos públicos.
Ribeiro também confirmou na reunião que o governo apoiará a alteração no texto da MP que retira a palavra monitoramento. A mudança, apresentada no Congresso pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), será discutida e, se aprovada, passará a vigorar quando a MP for convertida em lei.
Enquanto isso não ocorre, é o texto assinado pelo presidente que está valendo. Kicis sugeriu que o trecho controverso seja trocado para: "acompanhar as ações, os resultados e verificar o cumprimento da legislação aplicável às organizações internacionais e às organizações da sociedade civil que atuem no território nacional".
Para Ribeiro, estava se criando uma polêmica que "não refletia a questão real do governo". Segundo ele, "houve vozes contrárias dizendo que o governo demonstraria fraqueza" se modificasse a redação. "O ministro [Santos Cruz] não viu como nenhum tipo de recuo, mas como um esclarecimento para o que estava gerando um alvoroço."
Ele disse ainda que "as preocupações são legítimas", mas que, da parte do Planalto, "não havia intenção de fazer embate, porque as organizações são parte integrante da sociedade civil, defendem muitos interesses coletivos".
Ribeiro estava acompanhado do diretor do Departamento de Relações com ONGs da Secretaria de Governo, Miguel Franco, e do almirante Alexandre Araújo Mota, assessor especial do ministério.
"Nosso espírito não foi de perseguição, de criminalização, de estigmatização de ninguém. O que nós precisamos é acompanhar esse processo que está com pontas soltas", disse Franco. "A mensagem é de que nós estamos de peito aberto, com todo o nosso esforço, para ouvir as contribuições", enfatizou.
A conversa com os porta-vozes do governo se deu durante uma edição do Diálogo Paulista entre Órgãos de Controle e Organizações da Sociedade Civil. O fórum ocorre periodicamente desde 2014.
Realizado pela FGV Direito SP, pela Associação Paulista de Fundações e pelo Conselho Nacional de Controle Interno, o evento coloca frente a frente representantes de ONGs e de órgãos de controle como Ministério Público e tribunais de contas.
Santos Cruz e sua equipe foram convidados para o encontro no início do ano, logo após a publicação da MP 870. Um dia antes do seminário, o ministro avisou que não poderia ir, mas enviaria os auxiliares.