Golpe ou revolução? O que pensa a nova direita sobre o 31 de março de 1964

O golpe militar de 1964 completa 55 anos no próximo domingo, dia 31 de março. O assunto, nunca totalmente pacificado no debate político, está pegando fogo neste ano por causa de um certo Jair Messias Bolsonaro, capitão reformado do Exército que agora também preside o país.

Bolsonaro nunca escondeu sua simpatia pelo movimento que derrubou João Goulart. Minimiza as violações de direitos humanos, que deixaram 434 mortos ou desaparecidos, segundo a Comissão Nacional da Verdade. Nega que tenha havido uma ditadura.

Para a velha guarda, revolução é o termo mais correto: impediu-se, segundo essa visão, que o Brasil aderisse ao campo comunista.

E o que pensam as novas gerações sobre esse tema? Fui atrás de jovens lideranças que estão reerguendo a bandeira da direita em diversos estados, após décadas de hibernação.

Obviamente, eles não têm a menor relação pessoal com 1964. Suas opiniões dão um bom termômetro de como é visto um evento que ainda hoje define a direita brasileira.

Dos 11 representantes que ouvi, 4 classificam os acontecimentos de 31 de março de golpe, 3 de contrarrevolução e 1 de contragolpe. Os outros 3 não disseram como denominam o evento.

Sintomaticamente, ninguém usou a palavra revolução. Veja o resultado da enquete:

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Nome: Douglas Garcia

Idade: 25

Grupo: Direita SP (é deputado estadual pelo PSL-SP)

Golpe ou revolução? Nenhum dos dois. Foi uma contrarrevolução

“1964 foi um movimento civil de reação à ameaça estrangeira patrocinada pelo bloco soviético, que atuava de formal ilegal e clandestina no governo e na sociedade brasileira da época, resultando na derrubada do governo Jango com apoio massivo do povo.”

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Nome: Ednaldo Emerson

Idade: 35

Grupo: Conservadores Pernambuco

Golpe ou revolução? Nenhum dos dois. Foi uma contrarrevolução

“Por diversos registros históricos podemos afirmar que ocorreu uma contrarrevolução que impediu a instalação da ditadura do proletariado pretendida por grupos terroristas. Ela teve apoio inicial da sociedade civil e passou por períodos turbulentos, mas não foi tão nefasta como tentam impregnar, do contrário um capitão do Exército não teria chegado à Presidência. É importante destacar que por muito tempo o Exército mantém o prestígio de ser uma das instituições com maior credibilidade perante a população em geral.”

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Nome: Fernando Holiday

Idade: 22

Grupo: MBL (é vereador pelo DEM em São Paulo)

Golpe ou revolução? Golpe

“Foi um golpe, apesar de ter havido amplo apoio popular. Uma discussão possível é se o golpe foi dado em 1964 ou 1968, com o AI-5. Mas para mim foi mesmo em 1964. Havia realmente um contexto de o governo Goulart ter dado uma guinada à esquerda, mas acho que não havia risco de revolução socialista. A herança econômica dos militares foi terrível, e a política também, porque acabou fortalecendo a esquerda. Foi tudo negativo, portanto.”

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Nome: Gianluca Lorenzon

Idade: 26

Grupo: Clube Farroupilha, de Santa Maria (RS)

Golpe ou revolução? Não respondeu

“Existia um risco, como vimos nos documentos divulgados pela República Tcheca, e a gente precisa entender que dentro do contexto parece que alguma coisa precisava ser feita. Se ela foi completamente, correta, a gente não sabe, é difícil julgar.  Eu não tenho conhecimento para afirmar. Os arquivos dos EUA estão abertos, mas os da Rússia, não. Então, é muito inocente da nossa parte acreditar piamente que um país que tinha aquele poder militar [soviético] não poderia fazer algo que parecesse interno [no Brasil.”

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Nome: Guilherme Moretzsohn

Idade: 33

Grupo: Instituto de Formação de Líderes, de Belo Horizonte (MG)

Golpe ou revolução? Golpe (mas depois de 64)

“Definir se foi golpe ou revolução o que ocorreu não é tão simples . O entendimento clássico do que seria uma revolução não se aplica; porém, a história mostra que o que estava ocorrendo era um alinhamento com um pessoal que entende tudo de golpe. Não há como negar o flerte incestuoso entre João Goulart e o bloco comunista, e manchetes da época comprovam que o Brasil estava uma baderna ainda maior do que o habitual.

Golpes sucessivos foram dados depois, com a permanência prolongada dos militares no poder. Golpes de caneta, como o AI-5; ou golpes de cassetete do DOI-CODI. Inebriados pela paixão que só o poder provoca, generais demoraram demais para largar o osso.”

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Nome: Lucas Ferrugem

Idade: 26

Grupo: Brasil Paralelo, de Porto Alegre (estão lançando o documentário “1964: o Brasil entre Armas e Livros”)

Golpe ou revolução? Nenhum dois dois. Foi um contragolpe

“O termo que você escolher para definir os acontecimentos de março de 1964, seja qual for, certamente reduz seu ensinamento: a democracia não é uma fórmula mágica. As fantasias de que um modelo de Estado pode estar acima de todos os homens que os criam, gerenciam e apoiam sempre vão sofrer quando defrontadas com a realidade. Considerando todos os fatos em jogo e tentando me afastar das paixões, julgo contragolpe um termo mais adequado.”

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Nome: Mateus Siqueira

Idade: 23

Grupo: Instituto Tropeiros, de Campina Grande (PB)

Golpe ou revolução? Não respondeu

“Vejo a ditadura não como um movimento isolado. Vejo a falha do Estado Democrático de Direito, desde a queda da Monarquia. É de se estranhar que, após a queda da monarquia, a República tenha falhado constantemente, desde a República Velha até a Constituição de 1988. Há de se notar esses períodos conflitantes não somente na ditadura, mas também no Estado Novo de Vargas. Acredito que o problema do nosso país foi a perda da herança que vínhamos construindo havia séculos com a Monarquia, o que por si só, com as peculiaridades de sua época, chega a ser mais estável que qualquer governo hoje.”

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Nome: Paulo Gontijo

Idade: 37

Grupo: Livres

Golpe ou revolução? Golpe

“O golpe de 1964 inaugurou um período nefasto na história do Brasil. Marcado por mortes de opositores e jornalistas, censura, tortura e perseguição política. A ditadura civil militar brasileira causou ainda um desastre econômico, implementando políticas populistas guiada por estatismo em seu grau máximo. O protecionismo nacionalista e a criação da bomba-relógio da hiperinflação marcaram a época, que ainda contou com a criação de centenas de estatais.

Os 21 anos de ditadura vividos no país se basearam em autoritarismo e arrogância estúpida, que empobreceu a população e ampliou nossas desigualdades estruturais. Quem realmente tem compromisso com a liberdade não apoia nenhum tipo de ditadura. Não importa se de esquerda ou direita, nenhum regime autoritário deve ser celebrado”.

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Nome: Pedro Holanda

Idade: 27

Grupo: Caruaru Livre

Golpe ou revolução? Golpe

“Há talvez elementos que deram fundamentos para intervenção política naquele momento. O que descaracteriza ser um golpe tomado pela força. Porém não podemos negar que houve uma ruptura institucional significativa e que precedeu um período de ausência de democracia.
O uso da palavra golpe pra mim não é equivocado tendo em vista que se instaurou um regime em seguida que quebrou instituições.”

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Nome: Anamaria Camargo

Idade: 52

Grupo: Instituto Liberdade e Justiça, em Salvador (BA), e líder do movimento Educação sem Estado

Golpe ou revolução? Nenhum dos dois. Foi uma contrarrevolução

“O ‘31 de março de 1964’ foi uma resposta estatal a uma revolução que se armava: a versão brasileira da Guerra Fria que o mundo vivia. A ameaça de uma tomada de poder por aqueles que defendiam uma ditadura comunista foi respondida inicialmente com uma contrarrevolução de direita, através de um aparelho repressivo razoavelmente seletivo — ainda que eticamente condenável porque perpetrada pelo Estado. Com o passar tempo, no entanto, tanto a ação como a reação se radicalizaram. Se as guerrilhas comunistas, que causaram mortes inclusive dentre os seus, tivessem arrefecido logo, possivelmente não chegaríamos aos piores anos de chumbo, de tortura e assassinatos em prisões.

Esta constatação obviamente não serve como justificativa para o que se seguiu: o soldado que mata o inimigo no combate nem de longe se assemelha ao Estado que mata indivíduos que estão sob seus “cuidados”. Entendo o argumento de que tivemos que pagar um preço pela liberdade que temos hoje, mas gostaria muito que tivéssemos barganhado um preço menos aviltante. Por outro lado, diante de comemorações pelos 100 anos da revolução russa, apesar dos milhões de mortes causados pelo comunismo, é difícil acreditar que não estaríamos muito pior se o resultado do ‘31 de março’ houvesse sido outro.”

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Nome: Vinicius Poit

Idade: 33

Grupo: Novo (é deputado federal por SP)

Golpe ou revolução? Não respondeu

“Nenhuma forma de ditadura deveria ser defendida em pleno século 21. Assim como condeno as ditaduras de esquerda que assolam a América Latina nos dias de hoje, também condeno os regimes autoritários de direita que feriram o Estado de Direito nos países onde foram implementados. Os fins nunca justificarão os meios.”

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