Fotojornalista italiana registra os horrores da máfia da Sicília

​“Estávamos em guerra e eu era uma mulher com uma câmera no pescoço que devia e queria documentar tudo aquilo que acontecia para denunciar para o mundo inteiro.”

Assim se refere ao seu trabalho de duas décadas registrando a máfia da Sicília a fotojornalista italiana Letizia Battaglia, 84, uma das principais retratistas da vida no país mediterrâneo no pós-guerra.

Nas décadas de 1970 e 1980, Battaglia percorria as ruas de Palermo, sua cidade natal, registrando como o cotidiano local era afetado pelas atividades da Cosa Nostra, organização criminosa centenária que é praticamente sinônimo da ilha ao sul do país.

Um recorte de 90 imagens do período estará na exposição “Letizia Battaglia: Palermo”, que entra em cartaz no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, a partir de sábado (27).

 

“Assassinatos, bombas, tráfico de drogas, corrupção política e social”, diz Battaglia, preenchiam seus dias como fotógrafa do jornal de esquerda L’Ora, para o qual trabalhou entre 1974 e 1990. O periódico denunciava as atividades dos mafiosos e suas ligações com a política local.

Durante esses anos, Battaglia, que afirma se orgulhar de ter sido a única mulher a trabalhar em um jornal italiano na época, tirou cerca de 600 mil fotos.

“Eu sofri violência física, ameaças, recebi cartas anônimas e intimidações telefônicas. Claro, eu sempre tive medo. Mas passava a porta de casa e ia fotografar”, afirma, completando que só tomou consciência da “crueldade” das atividades da máfia com o passar do tempo.

Originada na Sicília no século 19, a Cosa Nostra é baseada em clãs familiares arranjados geograficamente cujas operações se dão por um código de silêncio conhecido como “omertà”. O preceito define a lealdade dos integrantes com a organização, determinando a não cooperação com as autoridades. Os que entregam informações sobre esquemas criminosos à Justiça podem ser torturados e mortos.

Já na virada do século 20, a Cosa Nostra se espalhou internacionalmente, ganhando território nos EUA com a venda de bebida alcoólica durante a Lei Seca.

Mas a máfia ficaria mais conhecida após a Segunda Guerra, tornando-se a principal exportadora de heroína do mundo nos anos 1970 e obtendo notoriedade por crimes cometidos contra oficiais de segurança. Segundo o site do FBI, a organização usa o termo “cadáver excelente” para se referir ao assassinato de policiais, juízes e funcionários do governo.

Uma das mortes de alto escalão registradas por Battaglia foi a do juiz Cesare Terranova, assassinado por três sicários em uma emboscada quando tinha 59 anos. A fotografia tirada logo após o crime mostra seu rosto ensanguentado caído sobre o peito, o corpo coberto por estilhaços de vidro.

Mas o registro do final dos anos 1970 talvez pudesse ser feito hoje. A fotógrafa conta que o tráfico de drogas e o dinheiro movido pela máfia “ainda são enormes”, colocando magistrados “em perigo extremo”.

Cita como exemplo o juiz Nino di Matteo, que investiga as relações da máfia com o Estado italiano, razão pela qual é forçado há viver com escolta policial há décadas. “Ameaçado de morte, sabe-se que a dinamite para matá-lo está escondida em algum lugar”, teme.

Apesar da presença persistente do crime organizado no dia a dia dos 670 mil habitantes de Palermo, Battaglia tem um tom esperançoso ao falar da vida atual de seus conterrâneos. Segundo ela, o prefeito antimáfia Leoluca Orlando e “a vontade geral de um futuro ligado à legalidade” da população marcam uma nova fase na maior cidade da Sicília.

“As meninas andam sozinhas à noite e não tem mais medo. Esse é um poderoso indicador de liberdade quando penso nas décadas sombrias da minha fotografia.”

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