'Forrest Gump' nicaraguense acumula prisões por correr contra ditadura Ortega

Alguns correm para perder peso ou completar uma maratona. O nicaraguense Alex Vanegas, 63, corre para derrubar uma ditadura. 

O ex-maratonista de 1,65 m de altura, 53 kg e barba grisalha retomou o exercício no ano passado, depois de 12 anos parado por problemas de saúde. Começou em 20 de abril, dois dias após a eclosão do ato contra a reforma da previdência que se transformou em uma onda de protestos pela saída do ditador Daniel Ortega. Tal qual o personagem do ator Tom Hanks no filme “Forrest Gump”, de 1994, Alex não parou mais. 

Diariamente, ele corria de três a seis horas, percorrendo de 30 a 60 km em Manágua, com roupas e balões com as cores da bandeira do país (azul e branco), levando cartazes pedindo a libertação de pessoas presas por participar das manifestações. 

Veio, então, a maratona de prisões: foram nove ao todo, algumas com duração de poucos dias, a mais longa se estendendo por quatro meses.

Alex foi libertado dessa última detenção na quarta-feira (27), com  outras cem pessoas soltas pelo regime  no âmbito de um “diálogo nacional” com representantes de estudantes, Igreja Católica e políticos opositores, com a meta de tentar resolver a crise no país.

No dia seguinte, porém, voltou a ser preso após sair de casa para retomar suas corridas de protesto —o governo afirma que os libertados na verdade devem ficar em prisão domiciliar. Solto após algumas horas, Alex recusou-se outra vez a ficar dentro da residência. De novo, foi detido e, em seguida, liberado.

Preocupado, o filho dele, o pintor Byron Vanegas, 37, tentava localizar o pai em meio às idas e vindas à delegacia. “Acabo de ver, com próprios olhos, ele ser agredido”, disse à Folha, após interromper a entrevista para conversar com um policial que trazia seu pai pela segunda vez no dia. 

Alex confirmou as agressões. “Me bateram com força nos testículos, me deram quatro socos para que eu fechasse as pernas e me colocaram na patrulha”, conta. “Lá dentro, me espancaram de novo. Estou maltratado, com dores, fora o trauma [da prisão]”, disse.

Ele afirma que o documento de liberação que assinou na quarta-feira não dizia que iria para prisão domiciliar. “Se eu soubesse que não poderia sair de casa, nem teria assinado. Melhor me deixarem lá para descansar do espancamento que sofro toda vez que me sequestram”, afirma.

Alex usa sempre o verbo sequestrar para se referir às detenções. Diz que não há processo contra ele, que chegou a ser acusado de “escândalo em via pública”, mas a audiência foi suspensa pela juíza e não há previsão de retomada. 

“Ele não está ameaçando ninguém, não usa nenhum tipo de arma, além da sua voz”, diz Byron, único dos quatro filhos que segue no país —os demais estão no exílio. “Correr foi a maneira pacífica que ele encontrou para protestar.”

Alex começou a praticar o esporte aos 40 anos. Competiu em maratonas, mas teve que parar quando sofreu uma lesão na coluna e se operou de uma hérnia e de apendicite. Também tem diabetes.

O ímpeto de recomeçar veio quando ele viu pela TV estudantes sendo baleados nas manifestações de abril. Começou correndo com a roupa social do trabalho — era vendedor de um purificador de água— e alguns dizeres escritos nas costas. 

Nas corridas diárias, costumava ir a uma rotatória simbólica da cidade, onde dava uma volta para cada pessoa morta no contexto dos atos. “Cada dia ia aumentando: 50, 60 voltas. Os policiais diziam: o próximo número vai ser o seu”, lembra.

Sentia dores, mas diz que não se importava. “Me perguntam por que não consigo parar quieto”, diz. “Não consigo sabendo que há mil homens e mulheres de todas as idades suportando o cativeiro, sendo atacados por cães ou com gases lacrimogêneos em suas celas, tendo dentes quebrados. Gente que às vezes é presa só por cantar o hino.” 

Quando ele próprio foi para a cadeia, foi proibido de correr no pátio. Afirma que ficou em uma cela tão escura que teve a visão afetada e que os outros réus eram ameaçados caso conversassem com ele.
Agora solto, Alex diz que ainda não se sente livre, mas que vai descansar para se recuperar das dores.

Porém, não por muito tempo. “Parar não está nos meus planos”, afirma.

Até a noite de quinta (28), foram divulgados poucos detalhes das conversas da reunião de negociações.

Waldemar Stanislaw Sommertag, o núncio apostólico para a Nicarágua, leu um comunicado dizendo apenas que 12 temas foram debatidos e que houve acordo a respeito de nove deles.

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