Florianópolis sanciona inédita lei da compostagem para reciclar orgânicos

O prefeito Gean Marques Loureiro (MDB) sancionou na última segunda (8) uma lei inovadora sobre resíduos para Florianópolis, Santa Catarina.

Em seu primeiro artigo, a lei 10.501 institui “a obrigatoriedade da destinação ambientalmente adequada de resíduos sólidos orgânicos por meio dos processos de reciclagem e compostagem.” Devem ser dados incentivos à compostagem doméstica, comunitária e viabilizados sistemas de coleta domiciliar.

Fica proibida também a destinação desses resíduos orgânicos aos aterros sanitários e à incineração no município. O projeto também prevê a coleta em três frações. A lei deverá ser aplicada após um ano de publicação.

Ouvi técnicos e urbanistas e não há lei similar em outro município brasileiro.

O governo municipal poderá destinar áreas de sua propriedade para compostagem e o gerenciamento será assessorado por técnicos de órgãos municipais como a Concape, autarquia responsável pela limpeza urbana.

A lei pode ser regulamentada em sessenta dias. Ela determina que devem ser estimuladas as iniciativas comunitárias e de cooperativas na gestão, devem ser adotadas estratégias de descentralização no gerenciamento e o incentivo à compostagem doméstica.

Segundo o autor do projeto, vereador Marcos José de Abreu, o Marquito (PSOL), não há dados oficiais, mas a estimativa é que aproximadamente apenas 2% dos orgânicos do município sejam atualmente compostados.

De acordo com o Plano Municipal de Coleta Seletiva (PMCS), a cidade gera 500 toneladas de resíduos secos urbanos e cerca de 37% é de orgânicos.

Segundo o vereador, a ilha já tem pátios comunitários em áreas públicas e iniciativas de compostagem por grandes geradores, como supermercados e restaurantes. “Mas não são suficientes para a expansão do projeto. Vai ser necessário criar mais pátios, operados pela autarquia municipal. A Concape deve coletar os orgânicos e levar para esses locais. Neles, cooperativas ou empreendimentos de economia solidária transformarão o resíduo em adubo”, afirma.

“O objetivo é que as diferentes estratégias, como a compostagem doméstica, a comunitária e aquela realizada em escolas e instituições públicas coexistam. É um modelo descentralizado e em que diferentes tipologias de compostagem vivem juntas”.

A lei indica começar com as podas, que representam 11% das 500 toneladas diárias. “É o mais fácil para começar. A Concape já tem uma unidade de trituração e um pátio com capacidade para receber 10 toneladas por dia. O segundo passo seria instalar um sistema de coleta de resíduos orgânicos”, afirma.

“Florianópolis é a única capital que tem sistema de coleta administrado pelo município. Servidores e servidoras com trabalho regulamentado, segurança do trabalho. Isso facilita. A cidade já tem um tecido social que sustenta, vários pátios e iniciativas. Unidades municipais já preparadas para a compostagem”.

Segundo Marquito, o custo de aterramento anual é de R$ 30 milhões, ou R$ 158 por tonelada. “Esse recurso que é enterrado a partir de agora, com a lei, vai voltar para alimentar hortas escolares, agricultura urbana, proteção ambiental, e ser um bioremediador. Vemos a mudança como uma redistribuição de recursos para aumento de qualidade de vida e ambiental.”

EFEITO ESTUFA E SEQUESTRO DE CARBONO

“Cada tonelada de orgânico desviada de aterro deixa de emitir 900 kg de CO2 equivalente”, afirma Victor Hugo Argentino. Em sua dissertação de mestrado defendida em 2018 na Universidade Federal do ABC, "Impactos ambientais do ciclo de vida da fração orgânica dos resíduos sólidos urbanos e o caso da Região Metropolitana de São Paulo", o pesquisador analisou vários sistemas de compostagem.

“Além dessa redução de emissões de gases do feito estufa, há mais potenciais vantagens se o resultado da compostagem for aplicado na agricultura, no lugar de fertilizantes sintéticos”, afirma Argentino. “Aplicado no solo degradado, como são muitos dos solos brasileiros, o composto sequestra carbono, reduzindo também por essa via o total de emissões”, diz.

Segundo Argentino, a compostagem centralizada pode ser a mais vantajosa do ponto de vista ambiental, por ter potencialmente mais controle e com isso garantir mais estabilidade do composto gerado. Essa qualidade do composto e a sua disponibilidade em maior escala garantem o uso na agricultura em substituição ao fertilizante sintético.

Ainda assim, a compostagem doméstica tem suas vantagens em outro aspecto.  Ela reduz o impacto ambiental já no local da geração, evitando o transporte, e é vetor de mudança de hábitos em casa: estimula o plantio de hortas e o consumo reduzido de ultraprocessados e carnes.

Para Elisabeth Grimberg, socióloga, coordenadora da área de Resíduos Sólidos do Instituto Pólis e membro da Aliança Resíduo Zero Brasil, a lei agora aprovada em Florianópolis poderia ser adotada em outros municípios.

Segundo ela, em São Paulo, poderia ser usado um sistema descentralizado com quatro biodigestores, nas bordas da cidade, e dali o composto poderia ser utilizado pelo cinturão verde e também em parques, áreas verdes e pela população.

“Gosto de dar exemplo também da compostagem em escala de resíduos de grandes geradores, como shoppings. É o caso de Jundiaí, operado pela Tera Ambiental, e das experiências em Montenegro (RS), pelo consórcio Verde Brasil – Evocitus.  Quando o setor privado faz compostagem e vende composto e biogás, mostra que é viável”, exemplifica.

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