Ex-sem-terra que virou fazendeiro critica MST e modelo de reforma agrária
Lucas do Rio Verde (MT) – Em 1981, cerca de mil famílias de sem-terra acampavam na beira de uma estrada perto de Ronda Alta (RS) quando militares liderados pelo mítico coronel Sebastião Curió chegaram com uma proposta em mãos: que tal mudarem para uma nova terra promissora no centro-oeste do Brasil, uma região ainda não desbravada no norte de Mato Grosso?
O governo oferecia transporte de ônibus, bancava a mudança em um caminhão, concedia um pedaço de terra de 200 hectares e ainda daria um salário mínimo para cada família durante 18 meses.
Para a ditadura, o interesse era duplo: contribuir para a colonização do interior do país, vista pelos militares como estratégica e, de quebra, enfraquecer o acampamento, situado na Encruzilhada Natalino. Alguns anos depois, esse concentração de beira de estrada viria a dar origem ao MST.
Aceitaram a oferta 205 famílias, sob os olhares de reprovação das lideranças do acampamento, entre elas um tal João Pedro Stedile, que viria a se tornar a maior referência nacional do movimento. Há 13 anos, meu colega Eduardo Scolese contou essa história na Folha (leia aqui).
Um dos que toparam a empreitada foi Aquilino Sirtoli, hoje com 70 anos, dono de uma lavoura de 2.000 hectares (dez vezes o lote original) e de uma casa confortável no centro de Lucas do Rio Verde (350 km de Cuiabá).
“A gente era da roça, morávamos num barranco de beira de estrada. Era como pegar uma favela e trazer pra cá”, diz Aquilino, que nasceu em Tapejara (RS) e ainda hoje mantém o sotaque carregado do interior gaúcho e o hábito de tomar chimarrão.
A viagem levou três dias, e o ex-sem-terra veio acompanhado da mulher, Jurema, e da filha, que na época tinha seis anos. “O governo juntou nossos caquinhos, botou num caminhão e viemos. Chegamos aqui era só terra e mosquito, a única coisa que havia era um batalhão do Exército”, lembra.
Aquilino Sirtoli e Jurema em sua casa em Lucas do Rio Verde (MT)
Hoje, Lucas do Rio Verde é uma cidade que enriqueceu com as culturas do milho e da soja e cresce em ritmo alucinante. Atualmente com 65 mil habitantes, dobrou de tamanho nos últimos dez anos.
Mas o começo foi difícil, afirma Aquilino. “Nós sofremos, sofreeeeemos”, diz ele, puxando o sotaque. Das 205 famílias pioneiras, 150 já tinham voltado ao Sul nos primeiros dois anos.
“Eu pensei em voltar, mas a Jurema me impediu. Ela me disse: ‘você não dizia que ia vir mesmo sem mim? Agora, nós vamos ficar’. E graças a Deus nós ficamos”, afirma ele.
A família ficou cinco meses morando debaixo de uma lona, até conseguir construir sua primeira casa de madeira. O plantio também foi complicado, porque o Incra, que era responsável pelo assentamento, não queria deixar que eles produzissem soja. “Queriam que a gente cultivasse só frutas e hortaliças para subsistência, diziam que assim era a reforma agrária”, afirma.
Aquilino pegou um primeiro financiamento no Banco do Brasil para plantar, mas não conseguiu pagá-lo e ficou com o crédito bloqueado. Só conseguiu comprar um trator em 1985, e diz que levou mais cinco anos para sair do sufoco.
A partir dos início dos anos 1990, com o boom da soja no Mato Grosso, é que conseguiu prosperar, comprar mais terras e aumentar a produção. Hoje planta soja e milho, emprega quatro famílias e tem os três filhos (dois nascidos na cidade) trabalhando na terra.
Ele diz ter uma admiração enorme pelos militares que o levaram para o Centro-Oeste. “O Curió veio de Brasília nos receber quando chegamos. O Exército nos tratou muito bem, melhor que o Incra, melhor que todo mundo”, diz.
Aquilino é a favor da reforma agrária, mas diz que o modelo atual está errado. “A reforma agrária do jeito que é feita hoje é péssima, é para judiar da pessoa. Largam a família no meio do nada, sem crédito, sem estrutura”.
Mas ele não concorda com as táticas empregadas pelo MST, movimento de cujo embrião ele, de uma certa forma, participou. “O MST é das piores coisas que existem. Invadir as terras dos outros, queimar as coisas, fazer maldade, isso não funciona”, diz ele.
Um dos motivos que o fizeram aceitar o convite para atravessar o país em busca de uma aventura é que ele nunca foi muito de agitação. “Eu nunca fui contra ou a favor, nunca me envolvi com política. Eu só queria plantar”, declara.