EUA pressionam contra vantagens comerciais que beneficiam o Brasil

Em reunião na semana passada que marcou o início das pré-negociações do acordo de e-commerce da OMC (Organização Mundial de Comércio), os Estados Unidos deixaram claro que não vão desistir de acabar com facilidades oferecidas a alguns países em desenvolvimento em acordos comerciais.

“Essa iniciativa será bem-sucedida se conseguirmos concluir um acordo ambicioso que possa ser fiscalizado e que imponha as mesmas obrigações a todos os participantes”, disse o embaixador dos EUA na OMC, Dennis Shea.

O acordo visa regular o mercado mundial de comércio eletrônico, estimado em  US$ 27,7 trilhões (R$ 106,2 trilhões), e foi abraçado por 76 países.

Em janeiro, os EUA já haviam apresentado um relatório pressionando para a “graduação” de alguns países na organização. Alguns países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, têm direito a tratamento “especial e diferenciado” na OMC, como prazos maiores para se adequar a exigências de negociações, exceções, e outras flexibilidades.

Mas os próprios países é que se declaram “em desenvolvimento” —não há parâmetros objetivos para isso. Assim, nações como Coreia do Sul e Qatar, que têm renda per capita de US$ 29,9 mil e US$ 61 mil, autodeclaram-se em desenvolvimento e participam das negociações como “café com leite” se quiserem.

Os EUA querem critérios para diferenciação e acabar com essa autodeclaração. Propõe a exclusão de países-membros da OCDE, ou em processo de adesão; dos classificados como “países de alta renda” pelo Banco Mundial; dos  integrantes do G-20; e dos que respondem por mais de 0,5% do comércio mundial de bens.

Segundo esses critérios, países como Brasil, China, Índia, México, Israel, Chile, Argentina, Coreia do Sul, Turquia, Indonésia, África do Sul, Singapura e Arabia Saudita perderiam o tratamento diferenciado.

Esse tratamento foi criado para contemplar a necessidade de países mais pobres de preservarem proteções ou receberem concessões porque ainda estão em um estágio anterior de desenvolvimento.

Os EUA há muito tempo se opõem à graduação. Afirmam que a autodeclaração vai levar a OMC à “irrelevância institucional” e que economias que já cresceram se aproveitam disso para evitar assumir obrigações —referindo-se principalmente a China e Índia.

China, Índia, África do Sul e Venezuela lançaram documento se opondo à proposta e argumentando que a melhor forma de se determinar se um país está “em desenvolvimento” é a renda per capita.

Dizem que, enquanto o PIB per capita de EUA, Canadá, Austrália e União Europeia vai de US$ 33 mil (R$ 126,5 mil) a quase US$ 60 mil (R$ 230 mil), na China, Índia e no Brasil fica abaixo de US$ 10 mil (R$ 38,3 mil).

No comunicado, alfinetaram a política protecionista do presidente americano, Donald Trump, afirmando que a autodeclaração não é a real ameaça à relevância e legitimidade da OMC.

Dizem que o perigo são “a proliferação de medidas protecionistas não conformes com a OMC, o unilateralismo, o bloqueio do órgão de apelação e o impasse na rodada Doha.”

O governo brasileiro não se juntou à reivindicação dos chineses. Mas tampouco concorda com a proposta americana.

O Itamaraty quer que sejam definidas flexibilidades específicas em cada acordo. O Brasil acredita ser necessário reconhecer as diferenças dos países dependendo dos contextos de cada negociação.

Em alguns temas, a capacidade do país permite que ele assuma mais obrigações; em outros, não. Pode ter tratamento diferenciado em negociações de propriedade intelectual, mas não em acordos agrícolas, por exemplo.

Mas reconhece que certamente sempre haverá um descompasso entre o nível de exigências que um país acha que pode cumprir e o que seus competidores acham, com risco de impasse em negociações que já são lentas e difíceis.

Além disso, críticos apontam que o Brasil precisa decidir o que quer ser —café com leite ou potência. Na opinião deles, não dá para querer entrar na OCDE e manter tratamento especial e diferenciado ao mesmo tempo.

Se a proposta dos EUA for implementada, o Brasil tem muito a perder, segundo Welber Barral, sócio da consultoria Barral M. Jorge e ex-secretário de Comércio Exterior.

O acordo de preferências entre Mercosul e Índia, que reduz tarifas para cerca de 900 produtos, só foi possível por causa do tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento, que os desobriga de eliminar barreiras.

Várias regras da OMC tratam os autodesignados países em desenvolvimento de forma diferenciada —a forma de cálculo de subsídios à exportação é diferente, bem como as medidas compensatórias.

“Além disso, o Brasil é um dos países que mais usa o sistema de solução de controvérsias da OMC, que está quase paralisado”, diz Barral.

Os EUA acusam o órgão de apelação de fazer ativismo judicial, tomando decisões que não estão previstas nas regras comerciais. “Os EUA têm uma implicância com a OMC como um todo, acham que as regras são injustas, e que dão benefícios a quem não precisa delas, como a China”, diz.

Essa demanda é apenas um dos fronts da guerra dos EUA contra a OMC, que consideram defasada e injusta.

Desde 2017 o governo de Donald Trump bloqueia a nomeação de juízes para o Órgão de Apelação da OMC, que funciona como um tribunal de segunda instância para os países recorrerem de decisões de painéis a respeito de controvérsias comerciais, como queixas contra subsídios agrícolas e de tarifas que podem estar violando regras comerciais.

Por causa disso, o órgão trabalha com 3 de seus 7 juízes, o número mínimo para funcionar. Caso os EUA mantenham o bloqueio, o órgão deixará de funcionar em dezembro.

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