Estudos apontam risco de 'efeito contágio' de ataques em escola

Os ataques a tiros em escolas nos Estados Unidos nas últimas duas décadas resultaram em uma série de estudos que apontam que é preciso cautela da mídia ao noticiar massacres como o que ocorreu em Suzano nesta quarta (13) para evitar o chamado efeito contágio ou cópia.

Um deles, publicado na revista científica Plos One, encontrou evidências significativas de que tiroteios em escola e assassinatos em massa envolvendo armas de fogo são incentivados por eventos semelhantes no passado. 

Os trabalhos alertam para o fato de que a notoriedade dada aos autores dessas tragédias é um fator motivacional para que eles as cometam e, assim, alcancem um nível de fama que dificilmente teriam em suas vidas cotidianas.

A notoriedade funcionaria não apenas como recompensa para os autores como também como um “chamado à ação” para outros indivíduos que pensam como eles, motivando-os a realizar atos de imitação.

No tiroteio da Columbine High School, em 1999, em que dois jovens mataram 12 alunos e um professor, feriram outras 23 pessoas e depois se mataram, a avaliação dos estudiosos é que o ataque tornou os criminosos não apenas famosos mas também "heróis" entre jovens com algum tipo de desajuste.

Vinte anos depois, a dupla ainda acumula seguidores (conhecidos como columbiners), e autores de tiroteios posteriores se referiram a eles em cartas que deixaram antes de cometer o crime.

Em 2014, uma investigação da ABC News mostrou que, 14 anos depois de Columbine, pelo menos 17 atiradores escolares (e outros 36 estudantes que tentaram ataques, mas que foram impedidos) citaram diretamente o tiroteio de Columbine ou seus autores como motivação parcial para o ataque.

Nos EUA, há grupos como o No Notoriety (Sem notoriedade) ou o Don't Name Them (Não lhes dê nome) que pregam que a mídia deve mudar o foco de cobertura nesses casos, colocando a questão de segurança pública, as vítimas, os heróis de verdade e os sobreviventes como prioridade. Para eles, a única mensagem da mídia para os potenciais assassinos deveria ser: “Você não receberá mais fama desta forma”.

O No Notoriety foi criado pelo casal Tom e Caren Teves após um tiroteio em 2012 em um cinema em Aurora (Colorado), no qual 12 pessoas morreram e outras 70 ficaram feridas. O filho do casal, Alex, estava entre os mortos.

Como no caso de Columbine, o atirador de Aurora rapidamente se tornou um nome familiar, muito mais conhecido do que qualquer uma de suas vítimas.

O objetivo da campanha é desafiar a mídia a limitar o uso do nome e da imagem dos autores a algumas circunstâncias restritas. Por exemplo, se o atirador morrer no ataque, seria apropriado mencionar o nome após a polícia divulgá-lo, mas, depois disso, o grupo recomenda um “racionamento cuidadoso”.

“Não use o nome [do atirador] nas manchetes nem distribua fotos nas páginas de notícias. Mencione o nome apenas uma vez na história, se for preciso", recomenda o grupo. Também orienta a não publicar ou transmitir materiais de autosserviço produzidos pelos atiradores, como manifestos, postagens nas mídias sociais, armas e outros apetrechos usados no crime.

“Não os nomeie, não os mostre, mas relate todo o resto”, diz um título de um artigo acadêmico de dois criminologistas que apoiam propostas nesse sentido. Eles defendem que a mídia coloque ênfase nas vítimas, nos sobreviventes, nas comunidades e nos primeiros socorristas.

As propostas, no geral, vão contra as tradições da imprensa. Seja a brasileira, a americana ou qualquer outra. Afinal, um ataque a tiros em uma escola sempre terá grande interesse público.

Para os estudiosos, no entanto, esses cuidados não prejudicariam a disseminação de informações úteis. Na Finlândia, após dois tiroteios nas cidades de Jokela (2007) e Kauhajoki (2008), as organizações de mídia examinaram suas práticas e fizeram algumas mudanças. Por exemplo, divulgaram os manifestos dos atiradores (que se referiam aos atacantes de Columbine), mas não suas fotos e nomes.

Houve protestos de jornalistas, mas no final prevaleceu uma política semelhante à proposta na campanha No Notoriety. No Brasil, que agora carrega o oitavo ataque a tiros em escolas no currículo, essa discussão praticamente não existe. Mesmo nos EUA, veterano nesse tipo de crime, poucas instituições de mídia se animaram em adotar a política da não notoriedade.

Não se trata de não divulgar informações relevantes ao público. Mas, com as evidências e as experiências acumuladas ao longo do tempo em outros países, é preciso, pelo menos, discutir como adotar um comportamento mais responsável nessas situações.

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