Emmy Noether, 'pai' da álgebra moderna

Foi meu primeiro Congresso Internacional de Matemáticos (ICM, na sigla em inglês) e foi incrível.

O ICM 1990, na bela cidade japonesa de Kyoto, estava cheio de novidades. Foi o primeiro na Ásia. Num centro de convenções espetacular, onde a estética japonesa veste o concreto. E tinha uma mulher dando uma palestra plenária, a de nível mais alto.

A norte-americana Karen Uhlenbeck começou contando que, ao receber o convite, comentara com um colega que seria a primeira mulher plenarista no ICM desde Emmy Noether, em 1932. O rapaz respondera que não sabia que “ele” (Noether!) tivesse sido plenarista: reconhecera o nome de matemático importante e presumira que fosse homem.

Amalie Emmy Noether nasceu em 1882, filha do matemático judeu alemão Max Noether. Estudou na universidade de Erlangen, onde o pai lecionava e onde havia apenas duas mulheres entre cerca de mil estudantes. Ao final do doutorado, lecionou por sete anos na universidade, sem salário.

Em 1915, foi convidada pelos grandes David Hilbert e Felix Klein a integrar o departamento de matemática da famosa universidade de Göttingen. Professores da faculdade de história e filosofia se opuseram à contratação. “Seria inaceitável que os soldados voltassem [da guerra] para a universidade e encontrassem uma mulher dando aulas.” Hilbert retorquiu: “Não vejo como o sexo da candidata possa ser um argumento contra sua admissão como docente. Estamos em uma universidade, não em uma casa de banhos.”

Assim mesmo, em seus primeiros anos em Göttingen, Emmy Noether não tinha salário nem posição oficial: suas turmas eram atribuídas a Hilbert, mas era ela que aparecia para dar as aulas.

Noether é autora de muitos trabalhos matemáticos importantes, especialmente na área de álgebra. O famoso “teorema de Noether” explica a conservação de grandezas físicas, como a energia ou o momento, por meio de simetrias das leis da natureza. É uma ideia profunda, que teve enorme influência na física do século 20, particularmente na teoria da relatividade e na mecânica quântica.

Quando ela proferiu sua palestra plenária no ICM 1932, em Zurique, já se tornara uma das maiores matemáticas do seu tempo. Foi o primeiro Congresso sem boicote aos perdedores da 1ª guerra mundial, e o último antes que a sombra do nazismo se abatesse sobre a Europa.

No ano seguinte, judeus foram afastados das universidades alemãs. Em abril, Noether recebeu um aviso do ministro. “Nos termos do parágrafo 3º do Código de Serviço Civil, de 7 de abril de 1933, retiro seu direito de lecionar na universidade de Göttingen.” No mesmo ano, emigrou para os Estados Unidos, onde morreria dois anos depois, aos 53 anos.

Desde 1994, a cada ICM Emmy Noether é homenageada com uma palestra especial apresentada por uma mulher “que tenha feito contribuições fundamentais e consistentes às ciências matemáticas”. Em 2018, no Rio de Janeiro, a escolhida foi a sinoamericana Sun-Yung Alice Chang, da universidade de Princeton.

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