Em livro, professor Donaldo Schüler destila saber sobre literatura grega

O escritor, professor e tradutor Donaldo Schüler, com seus 85 anos, publica um estudo de fôlego, “Literatura Grega: Irradiações”. Trata-se de um livro que é talvez um compêndio da própria trajetória de leituras e pensamento desse mestre catarinense radicado em Porto Alegre.

A proposta é nada menos que comentar mais de 80 autores e obras em língua grega, num arco de quase 3.000 anos, que vai do período arcaico até os mais recentes Kazantzákis, Kaváfis e Seféris no século 20, passando ainda por comparações constantes, muitas delas inusitadas e instigantes, com figuras como Machado, Pound, Joyce, Rosa, Drummond, Fukuyama, ditadores latinos etc. 

Esse amplo escopo está já anunciado nas irradiações do título, pela ideia de que um gênero literário, como “maneiras de ser”, não é mera coisa, mas “forma, que transforma, que se transforma”. 

Nesse panorama de pervivências, o que vemos são modos de ser que se desdobram, sem qualquer tipo de linha reta, na história do Ocidente.

Como se poderia esperar de um livro curto para tamanho assunto, as irradiações são verdadeiro caleidoscópio, vertigem do saber, em linguagem leve, notavelmente despida de academicismos; nele, a literatura grega do passado e do presente é uma força viva, sem pedantismo, nem afetação. 

Por resultado quase nos imaginamos numa conversa, ou aula, com o professor que destila com naturalidade o seu saber e ideias, sem se dar ao trabalho de nos soterrar com notas e a tecnicália que restringe o texto a especialistas. 

Parece, ao contrário, muito mais interessado em dialogar com o grande público, fazendo as vezes de divulgação científica de humanidades, linha que permanece quase inexistente entre nós. 

Esse é talvez o grande ponto forte do livro, por vir de um estudioso com a bagagem que tem; e a isso se soma uma série de traduções poeticamente fortes na seção sobre lírica, com grande liberdade criativa e vivacidade.

Por vezes, Schüler desliza (dizem que até Homero às vezes cochilava), como, por exemplo, ao considerar a elegia arcaica como parte da lírica. 

Na verdade, sendo a lírica a poesia cantada, em geral acompanhada de instrumentos de corda, como lira, cítara ou bárbito, e a elegia um gênero recitativo talvez acompanhado de aulos (instrumento de sopro com palheta), fica claro que, no mundo grego, a elegia nunca se confundiu com a lírica, porque como práticas orais, elas se distinguiam na performance, mesmo que partilhassem temas e abordagens. 

Além disso, é curioso como as irradiações da Grécia aqui quase não passam por Roma, seu ponto fundamental de organização e difusão pela história.

Mas esses são preços fáceis de pagar, porque agora temos de fato uma produção brasileira capaz de divulgar com vida o vasto legado da literatura grega no Ocidente. 

É o resultado verdadeiro de uma vida dedicada ao que há de mais vivo na linguagem.

Poeta, tradutor e professor de língua e literatura latinas na UFPR  

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