Documentário de Raoul Peck reconstrói obra inacabada do ativista James Baldwin

Por que escolher um filme norte-americano para discutir as questões raciais no Brasil? A provocação foi feita pela doutora em ciências sociais Rute Rodrigues dos Reis, no debate após a sessão do filme “Eu Não Sou Seu Negro”. O evento foi realizado na quarta-feira (8), na Cinemateca Brasileira, como parte do Ciclo de Cinema e Psicanálise.

O roteiro do documentário foi escrito a partir do manuscrito inacabado "Remember This House", do escritor e ativista negro James Baldwin, morto em 1987. “Eu Não Sou Seu Negro” documenta a luta pelos direitos dos cidadãos negros nos Estados Unidos por meio das vidas e assassinatos de três amigos de Baldwin e, não coincidentemente, três dos principais ativistas pelos direitos civis nos EUA: Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King Jr.

Filmado pelo diretor haitiano Raoul Peck, o documentário traz as palavas de Baldwin lidas pela voz do ator Samuel L. Jackson. Intercala registros históricos dos personagens —Baldwin, Evers, X e King— com imagens deste século. Desta forma, costura uma narrativa que explicita como as reflexões do autor ainda são pertinentes, e como a violência contra a população negra repete modelos bastante semelhantes aos da década de 1960.

No texto de Baldwin, um trecho afirma que, no conflito racial, o ódio do negro é motivado pela raiva, e o do branco, pelo terror. Para Rute, tanto a sociedade americana quanto a brasileira estão construídas sobre a negação do corpo negro, e reforçam o embranquecimento como forma de ascensão.

“No Brasil, o movimento hip hop na década de 1990 provoca uma mudança ao aceitar que o jovem negro sente ódio sim, e permite a reflexão sobre quais são as dimensões desse ódio. Ali o jovem consegue se reconhecer”, afirma a pesquisadora.

Para a psicanalista Mônica Amaral, o racismo norte-americano serviu como modelo de opressão para o mundo, e, por isso, os líderes que lutaram contra este sistema se tornaram ícones. “A seu modo, tanto o Brasil como os EUA criaram mecanismos de controle para a população negra. Eles reinstauram o mecanismo de cisão e subalternização ao promover o encarceramento em massa da população negra, e, aqui, está sendo denunciado o extermínio da população jovem e negra”, exemplifica.

No documentário, James Baldwin relata sua mudança para Paris com US$ 40 no bolso como única saída, afirmando que nada poderia ser pior do que aquilo que enfrentava nos EUA. Rute relembra que o autor sofreu a primeira violência racial aos oito anos, quando foi espancado por policiais. “Ele não se reconhece no lugar que o violenta”, afirma. 

Brevemente mencionada na narrativa, a homossexualidade do protagonista é uma tensão importante em sua vivência no movimento negro. “Desde cedo ele entendeu que seu desejo não era heteroafetivo. E ele foi pioneiro em em trazer as tensões da orientação sexual junto com a questão racial. Depois abriu mão dessa luta para se concentrar nos direitos civis, que era premente naquele momento. Essa questão é difícil no movimento negro organizado até hoje e tem sido rompida pelas mulheres negras”, destaca Rute.

O Ciclo de Cinema e Psicanálise é realizado pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e pela Sociedade Amigos da Cinemateca, com o apoio da Folha. O próximo encontro acontecerá no dia 22 de agosto, às 19h, com a exibição de “Incêndios” na Cinemateca (largo Senador Raul Cardoso, 207, Vila Clementino, São Paulo).

É possível retirar os ingressos gratuitamente no local a partir das 18h.

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