'Do meu lixo cuido eu' bem que podia virar hit do Carnaval

Desperdício e lixaiada, os males do Brasil são. Claro que há muitos outros. Mas, no Carnaval de rua, esses dois gritam. Milhões de latinhas de cerveja, garrafas PET, papéis e embalagens que as pessoas jogam no chão, sem dó. Os funcionários da limpeza pública recolhem esses materiais, jogam nos caminhões de lixo comum, embora seja sabido que são recicláveis, e vai tudo parar no aterro sanitário, quando não vai para um lixão a céu aberto.

Quase não tem coleta seletiva desse mar de coisa que fica na rua, salvo raras exceções. É óbvio que devia haver. A maior parte do que a gente vê depois que os blocos passam poderia ser coletado, comercializado e reutilizado. O ciclo daria emprego para quem precisa, deixaria de entupir bocas de lobo e piorar o quadro de enchentes, geraria novos produtos, economizaria energia da extração de matéria prima virgem.

Os prefeitos e os administradores públicos sabem. Deveriam incluir nos contratos de limpeza pública municipal: coleta seletiva em todos os eventos de rua. Deveriam colocar nos contratos de blocos de rua: obrigatório coletar e reciclar. Não fazem isso. Fazem muito pouco nessa área. Mas tem alguma coisa mudando. No Rio, a iniciativa “Do meu lixo cuido eu”, organizada pelos catadores, vai levar 55 trabalhadores para a Sapucaí, em dois turnos, junto com 20 agentes ambientais, que distribuirão mais de 50 mil sacolas com instruções e incentivarão as pessoas a separar e ensacar os resíduos.

Quem for assistir aos desfiles nas arquibancadas e nas frisas deve receber as sacolas e orientações sobre como separar lixo orgânico e reciclável. A cada intervalo, as sacolas serão recolhidas pelos catadores e levadas para uma esteira de separação alocada no setor A da Sapucaí. Tudo será dividido entre dez cooperativas e vai para as recicladoras.

Tião Santos, presidente da Associação de Catadores do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho, que lidera a iniciativa, diz que espera reciclar mais de 14 toneladas de resíduos. Deve ser muito mais, porque a estimativa se baseia numa operação bem menor, feita pelos catadores no Carnaval do ano passado, apenas nos dois dias de desfile. Este ano, com mais organização e apoio, o trabalho começou nos ensaios técnicos das escolas e vai até o desfile das campeãs. Só nos ensaios, foram recolhidas 4,5 toneladas de latas. “Estamos tentando entrar no Carnaval para reciclar há 4 anos. No ano passado, conseguimos que a Liga das Escolas deixasse e recolhemos 14 toneladas só no sambódromo. Por isso, ficou mais fácil convencer este ano, que vai ser a primeira participação todos os dias”, diz Tião.

“As pessoas têm dificuldade de acreditar que o cidadão brasileiro é capaz de fazer um Carnaval mais limpo e com menos impacto. Mas é preciso convencer. Mudar. O hábito de fumar cachimbo deixa a boca torta. Precisamos mudar. Já está mudando. Eu achava que os recursos naturais eram infinitos. Meus filhos já não acham, são bem mais preocupados que eu fui”, conta Tião, que tem 40 e é catador desde os 11.

Os catadores recebem diárias e mais participação a cada kg de latinha recolhida. “Além de diminuir o impacto, a ação valoriza o trabalho dos catadores. É importante dar visibilidade. 90% do que é reciclado no Brasil passa pelos catadores. Nem todo mundo sabe ou se dá conta. Mas é isso”, afirma.

A ação da Sapucaí faz parte do Vá de Lata, movimento da Ball Corporation, a maior fabricante de latas de alumínio do mundo, e apoiado pela Novelis, que é a maior recicladora desse material. A Ball estima que mais da metade do material coletado será latas de alumínio, que tem taxa de reciclagem de mais de 97% no Brasil.  O movimento Vá de Lata terá ações também no bloco Galo da Madrugada, de Recife (PE) e no Bloco Du Brasil, com Carlinhos Brown e Timbalada, em São Paulo.

BLOCOS EM SP

Em 2018, uma campanha de financiamento coletivo garantiu a presença do Bloco dos Catadores nas ruas do Largo da Batata, dia 13 de fevereiro, recolhendo os resíduos deixados nas ruas pelos milhares de foliões. Em poucas horas,  foi recolhida uma tonelada de resíduos recicláveis, segundo o Movimento Nacional dos Catadores.

Este ano, a campanha está no ar e ainda precisa de recursos.

De forma espontânea, sem incentivo ou compromisso com a prefeitura, alguns blocos —a cidade tem 570 deles—, estão contratando catadores para coletar os recicláveis durante suas passagens pelas ruas na cidade. É o caso do Bloco do Apego, que desfila dia 9 de março, já no calendário ampliado do Carnaval, das 14h às 19h, nas proximidades do Largo da Batata. “O Apego está no seu terceiro ano e nesse tempo eu fui vendo Pinheiros virar o epicentro do inferno”, diz a diretora de Arte Cris Naumovs, que criou o bloco. “Decidimos que este ano seria diferente. Com a Casa Causa, vamos tentar fazer um Carnaval Lixo Zero”, diz.

A Casa Causa atua na área de gestão de resíduos em educação, promove encontros, experiências e soluções para escolas, bares, condomínios. Para o Carnaval Lixo Zero do Bloco do Apego, a Casa Causa contratou 20 catadores e agentes ambientais, com apoio do Mundo sem Bituca e carroças do Pimp my Carroça .“Vamos ter uma centralzinha de separação no bloco. A ideia é que durante as cinco horas de desfile, sempre passe alguém uniformizado para pegar os resíduos e que as pessoas do bloco entreguem para os catadores e não joguem na rua. Tudo vai para as cooperativas e vira renda”, diz Cris. “A gente precisa gerir nosso lixo. Cada vez mais, vamos ter que nos envolver para resolver nosso próprio lixo e achar os parceiros certos para isso. Estamos ocupando a rua, a rua é de todos. Temos que ocupar o espaço público de forma mais sustentável”, afirma Cris.

“Estamos tentando atuar no Carnaval há 5 anos”, diz Flavia Cunha, da Casa Causa. Você já leu coisa parecida assim neste texto. No Rio, o Tião também tentou por 4 anos entrar no Carnaval. “Tentamos convencer a prefeitura a incluir a coleta nos editais para os blocos, sem sucesso”, diz Flávia. “Lixo é erro de design. A gente tenta bater na porta de todo mundo, mas as pessoas não querem pagar pelo serviço. Não dão valor. E não é só nos blocos. Precisa do caminhão de coleta. Os catadores só não dão conta. Acaba indo a maior parte para o aterro”, afirma Flávia.

Há 4 anos, quando saiu pela primeira vez o seu bloco “Me lembra que eu vô”, Zé Cury já se preocupava com a sujeira que o Carnaval de rua deixava. Nos primeiros anos, chamou uma cooperativa do Bom Retiro para catar os recicláveis. Este ano, a turma que trabalhava com a catação montou uma empresa e vai prestar o mesmo serviço para o bloco. Serão seis catadores, cobrindo toda a largura da Faria Lima, onde o bloco desfila na próxima segunda, as 16h, com 120 integrantes na bateria.

Zé Cury faz parte do Fórum de Blocos de Carnaval de Rua de São Paulo, um grupo de articulação, e acha que a preocupação em deixar a cidade mais limpa está na ordem do dia dos blocos, mas que a ideia de recuperar os recicláveis ainda não bateu. Além do “Me Lembra”, ele sabe de iniciativas de reciclagem em mais dois blocos apenas. “Se todos os blocos se mobilizassem, acho que a gente conseguiria coletar 40% do que é jogado na rua. Por que não credenciar os catadores? Por que a prefeitura não faz isso? É uma operação barata e que faz bem para a cidade”, pergunta Flavia Cunha, da Casa Causa.

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