De Sanctis susta inquérito policial contra advogada que se queixara à corregedoria

O juiz Fausto De Sanctis, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP/MS), concedeu liminar para suspender inquérito policial instaurado contra a advogada Daniela Silva Alves, de São Paulo.

Em dois e-mails enviados à Corregedoria Regional da Justiça Federal, ela reclamou do mau atendimento dispensado pelo diretor da 8ª Vara Federal de Execuções Fiscais de São Paulo, Luiz Sebastião Micali.

A advogada foi intimada a prestar depoimento para apurar supostos crimes de calúnia e difamação.

De Sanctis decidiu, na última terça-feira (16), sustar o prosseguimento do inquérito –por ausência de justa causa– até o julgamento do caso pelo tribunal.

A seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, representada pelo advogado Fabio Tofic Simantob, impetrou habeas corpus, com pedido de liminar para suspender o inquérito e, ao final, trancar a investigação, sob a alegação de “constrangimento ilegal”.

Daniela havia relatado à corregedoria a demora, em 2016, de mais de uma hora para poder examinar uma execução fiscal em que a empresa Eucatex S/A Indústria e Comércio é parte.

Na primeira mensagem por e-mail, ela informou que havia comparecido na vara às 17h15.

“Ocorre que o senhor diretor do cartório se negou a me prestar atendimento alegando que teria que terminar outras tarefas prioritárias e que somente por volta das 18h me atenderia.

Agora são 18h36 e ainda não fui atendida, impedindo tomar providência que já está autorizada por decisão judicial de primeira instância e confirmada em sede de agravo de instrumento pelo E. Tribunal”.

Peço a gentileza de esclarecer qual providência pode ser tomada, considerando ofensiva as prerrogativas do advogado”.

No segundo e-mail, ela informou que o diretor do cartório autorizou a ciência da decisão proferida e o desentranhamento de documento apenas por volta das 18h50.

E acrescentou: “Por fim, esclareço que já presenciei outros incidentes de autoria do mesmo servidor, que beiram o absurdo, para não falar em abuso de autoridade”.

O inquérito foi instaurado a partir de expediente encaminhado pelo Juízo da Vara à Procuradoria Regional da República em São Paulo.

Segundo a representação, a advogada teria comunicado à corregedoria regional, “de forma inverídica”, ter ocorrido recusa de seu atendimento por parte do diretor de Secretaria.

Ainda de acordo com o expediente, “posteriormente, em correspondência dirigida àquele órgão, afirmou ainda ter presenciado atos do referido servidor ‘que beiram o absurdo, para não falar em abuso de autoridade’, sem mencionar objetivamente qualquer ato revestido de tal caráter que possa ser atribuído ao referido servidor, afetando, em tese, a sua honra pessoal e profissional”.

O Ministério Público Federal requisitou a instauração de inquérito, com oitiva dos envolvidos e testemunhas, “a fim de apurar crime de difamação pela ora paciente, por ofensa à honra de servidor público federal, no exercício de suas funções, e, ainda, por ter sido praticado na presença de outras pessoas”.

O MPF assentou, naquela oportunidade, que “o fato comunicado seria inverídico”, pois, “em expediente interno do juízo da citada vara em que teriam sido ouvidos os servidores que se encontravam presentes em secretaria na data dos fatos, apurou-se que a referida advogada foi atendida no mesmo dia de sua postulação bem como que jamais houve qualquer contato pessoal entre o servidor e a mesma nas ocasiões em que esteve presente na secretaria“.

De Sanctis ponderou inicialmente que trancar inquérito policial por meio de habeas corpus, impedindo o Estado de investigar e levantar elementos de prova, “constitui uma hipótese de extrema excepcionalidade”.

Segundo ele, “o Judiciário Federal, por meio de sua Ouvidoria-Geral, tem recebido anualmente cerca de oito mil manifestações de usuários e isto não tem sido considerado fato desabonador à honra dos servidores e magistrados”.

Para De Sanctis, “ao mesmo tempo em que a paciente adotou uma postura crítica à prestação do serviço público, evidentemente não agiu de má-fé”.

“Para a solução dos fatos em comento deve-se utilizar a pertinente expressão adotada pelos franceses ‘c’est le ton qui fait la musique’ e que tem o condão de balizar a interpretação de ambos os e-mails”, observou.

A seguir, algumas conclusões do magistrado:

– “O exercício da advocacia tem por missão a defesa dos direitos humanos na sua expressão maior. Há, assim, uma ética a ser defendida na Justiça, não somente por advogados, mas por todos os que atuam na busca de uma sociedade justa”.

– “Os servidores, na qualidade de prestadores de serviço público, têm a obrigação de dispensar um tratamento diligente, cortês e respeitoso ao usuário do serviço público. Assim como ocorre no exercício advocacia, há uma ética a ser observada e defendida por todos os que atuam e perseveram na busca da sociedade justa”.

– “Apesar de constituírem fatos que, diante do contexto, conteriam carga negativa, isto não os convola em afirmações categóricas e dolosas de prática da calúnia”.

– “Não é possível entrever do conteúdo da correspondência eletrônica sequer a intenção em difamar” (…) “isto porque se extrai, antes, uma conotação crítica desfavorável à atuação funcional do servidor público”.

– “Não se vislumbra a tentativa de desacreditar publicamente os trabalhos da suposta vítima para fins de macular sua reputação”.

– “Ainda que a paciente tenha se valido de palavras genéricas, quiçá inapropriadas, resta esmaecida a configuração do delito de difamação, porquanto sequer houve a transcrição de fato determinado a desabonar a honra objetiva do servidor público no exercício de suas funções, o que seria de rigor”.

– “Muito embora a reclamação da paciente careça de toda e qualquer sutileza, nada mais fez do que expor a sua indignação frente ao tratamento a ela dispensado pelo servidor público. Ausente, pois, também neste aspecto, a tipicidade de eventual conduta de injúria”.

– “Se a motivação das mensagens buscou, simplesmente, à correção da conduta do servidor público, não se infere a ilicitude do fato, mas, tão só, o desejo de se proceder a um exame crítico”.

– “A proteção contra a suposta ofensa não se confunde com exercício arbitrário das próprias razões e diz com o legítimo direito de resposta ou de indenização, em nome do valor democrático que se deseja tutelar: a liberdade de expressão e, com ela, a de crítica”.

– “Se não há um mínimo resquício de leviandade ou excesso linguístico no direito de crítica, ou mesmo no de retratar fatos que objetivamente ocorreram e foram admitidos (no caso, o não atendimento do serviço no tempo devido), resta prematuro, em ambas as partes, o socorro ao Judiciário para concretização de uma alegada liberdade cerceada.”

– “A persistir a investigação pela crítica amarga de um serviço público tido por mal prestado, a persecução penal passa se traduzir em transgressão mediante o desrespeito à lei, que, perigosamente, invocando pretensos direitos, pode passar a ser norma: uma situação de total anarquia jurídica generalizada, em que o Direito passa ser manipulado e banalizado num mundo sem deveres e sem instituições democráticas, desrespeitos mútuos”.

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