De olho nas propostas (Ep. 01: Reforma da Previdência)

A começar pelos próprios candidatos, pouca gente dá valor aos programas de governo apresentados ao TSE. Mas é importante ficar atento ao que eles colocaram no papel. Neste primeiro texto, apresento as propostas dos candidatos para a Reforma da Previdência.

A apresentação de programas de governo pelos candidatos a Presidente da República é uma exigência da legislação desde as eleições de 2010. No entanto, essa obrigação é, em geral, cumprida de modo protocolar pelos postulantes ao mais importante cargo público do país, que evitam se comprometer com temas polêmicos com medo de perder votos. Os documentos acabam sendo bonitas declarações de intenções para o eleitor, sem a preocupação de apresentar como aquelas maravilhas serão concretizadas.

Por sua vez, a sociedade – imprensa, organizações sociais e, principalmente, o eleitor – também não faz o dever de casa de analisar os documentos apresentados e cobrar aprofundamentos ou apontar contradições.

Apesar desse desinteresse de parte a parte, acredito que os programas de governo são importantes porque sinalizam o eixo de atuação do candidato e a sua visão a respeito dos graves problemas brasileiros. Pensando nisso, decidi publicar, aqui no blog, como os candidatos se posicionaram nos programas de governo apresentados ao TSE a respeito de temas que considero urgentes para superar nossas crises social, econômica e política.

A ideia é publicar, a cada dia, as visões dos 9 principais candidatos (Álvaro Dias, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Guilherme Boulos, Henrique Meirelles, Jair Bolsonaro, João Amoêdo, Lula/Fernando Haddad e Marina Silva) sobre um problema brasileiro diferente.

Como os programas são bastante díspares entre si – enquanto o de Boulos tem 228 páginas, as propostas de Alckmin estão resumidas em apenas 9 – serão destacadas apenas as principais ideias e, sobretudo, as medidas concretas que foram explicitadas. Ao final, apresento a minha opinião a respeito das medidas sugeridas pelos candidatos – e como não pretendo ser o dono da verdade, o espaço dos comentários está aberto para quem quiser expor também a sua.

Comecemos com a polêmica questão da Reforma da Previdência. Com o envelhecimento da população, os dados oficiais apontam para um déficit das aposentadorias do INSS superior a R$ 150 bilhões, enquanto os servidores civis e militares da União acrescentam mais R$ 80 bilhões ao rombo. Se nada for feito, a cada ano o governo terá cada vez menos espaço para arcar com as outras políticas públicas.

A seguir apresento o que pensam os principais candidatos a respeito deste tema premente:

Álvaro Dias (Podemos) – Propõe a criação de a “capitalização previdenciária”: criação de contas individuais para os trabalhadores que optarem para a migração e a capitalização do fundo do INSS com bens e direitos da União e ações de empresas estatais. Ciro Gomes (PDT) – Implementação de um novo sistema previdenciário com três pilares: i) políticas assistenciais financiadas pelo Tesouro Nacional; ii) regime previdenciário de repartição (como existe hoje) e iii) regime de capitalização em contas individuais. Admite discutir a introdução de idades mínimas diferenciais por atividade e gênero. Geraldo Alckmin (PSDB) – Defende a criação de um sistema único de aposentadoria, “igualando direitos e abolindo privilégios”. Guilherme Boulos (PSOL) – Unificação progressiva de todos os regimes previdenciários, vincular o reajuste do piso das aposentadorias ao salário mínimo e os demais ao IPC-M, garantir aposentadoria a todos (custeada pelo orçamento) e extinguir a contribuição dos aposentados e o fator previdenciário. Propõe ainda interromper as revisões dos benefícios de acidentes de trabalho, aposentadoria por invalidez e auxílios-doença pelo INSS, assim como a suspensão de quaisquer critérios restritivos para a sua concessão. Como forma de viabilizar as despesas extras, propõe o fim das desonerações tributárias e da desvinculação de recursos provenientes das contribuições sociais, além da cobrança da dívida ativa previdenciária. Henrique Meirelles (MDB) – Adoção de idade mínima para aposentadoria e convergência do sistema de aposentadorias dos funcionários públicos ao regime dos trabalhadores privados (INSS). Jair Bolsonaro (PSL) – Introdução de um sistema de contas individuais de capitalização, que será opcional. Para arcar com os elevados custos de transição para o novo sistema, propõe a criação de um fundo para reforçar o financiamento da previdência atual. João Amoêdo (Novo) – Extinção dos regimes especiais de previdência (servidores públicos, políticos, etc.), com as mesmas regras para entrada e cálculo de benefícios, idade mínima de 65 anos (e regra para ajustar esse limite à medida que a expectativa de vida se estenda), substituir o salário mínimo pela inflação como critério de reajuste dos benefícios, instituir contribuição obrigatória para trabalhadores rurais e revisão dos benefícios de pensão e fim dos acúmulos de benefícios. Lula/Fernando Haddad (PT) – Propõe a convergência entre os regimes especiais da União, Estados, DF e municípios ao regime geral. Quanto ao déficit previdenciário, planeja eliminá-lo com a retomada do crescimento econômico, o aumento na formalização das atividades econômicas e o combate à sonegação. Marina Silva (Rede) – Idade mínima para aposentadoria (com período de transição para quem está prestes a se aposentar), eliminação de privilégios do regime próprio para quem entrou no serviço público antes de 2003 e uma transição “responsável” para um sistema misto de contribuição e capitalização. Promete não medir esforços para reduzir a inadimplência das empresas e combater fraudes.

Da leitura das propostas acima, parece haver uma quase unanimidade de que é necessário unificar os sistemas de previdenciário público e privado. Resta saber se os candidatos, uma vez eleitos, terão disposição de enfrentar os poderosos lobbies dos servidores públicos e dos militares – aliás, talvez seja por isso que Bolsonaro tenha sido um dos poucos que não propôs essa medida.

A imposição de idade mínima para aposentadoria é apoiada explicitamente apenas por Ciro Gomes, Henrique Meirelles (pai da proposta enviada por Michel Temer ao Congresso), João Amoêdo e Marina Silva. Por se tratar de um dispositivo presente na maioria dos países e condizente com o envelhecimento da população, é preocupante perceber que ele não tenha sido explicitamente defendido pelos demais candidatos.

Com relação à mudança do modelo atual de repartição (em que os trabalhadores da ativa pagam os benefícios dos aposentados) para um sistema de capitalização (em que cada um contribui para a sua própria aposentadoria), Álvaro Dias, Bolsonaro e Marina Silva se mostram preocupados em como fazer essa transição de modo fiscalmente responsável – afinal, como pagar a aposentadoria dos atuais inativos se as contribuições de quem está na ativa será destinada às contas individuais? As soluções apresentadas – utilização de ações de estatais ou a criação de um fundo – são insuficientes. Mas só de colocarem o assunto em pauta já é um avanço.

Por fim, a proposta de Boulos para a previdência parece nitidamente insustentável: seus planos de expandir os benefícios e relaxar as condições para a sua concessão agravam o déficit e não são compensados pelas medidas de combater a sonegação, cobrar a dívida e acabar com as desonerações e a DRU. E por falar em conta que não fecha, a solução Lula/Haddad de eliminar o déficit previdenciário apenas com crescimento econômico e formalização de empresas é ilusória, como o ex-presidente bem sabe: se não aconteceu no seu governo, mesmo com picos de crescimento chinês, certamente não ocorrerá agora.

Em resumo, temos algumas propostas mais audaciosas do que os últimos governos conseguiram implementar. A gravidade da situação fiscal, no entanto, não admite wishful thinking e exigirá, do(a) futuro(a) presidente, muita coragem para enfrentar um tema impopular e encarar poderosos interesses.

E você, o que achou das propostas dos candidatos para a Previdência? Comente abaixo ou envie sua opinião para brunocarazza.oespiritodasleis@gmail.com

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