Crise com Carlos é inflexão na relação de militares com Bolsonaro

As crises do governo Bolsonaro são como episódios de uma série de TV dessas que passam no domingo à noite: intermináveis, repetitivas e visando enrolar o espectador enquanto assuntos mais sérios se desdobram na tal da realidade.

A mais recente delas, envolvendo um vídeo em que Olavo de Carvalho descasca militares, deverá acabar na sinopse como um ponto central de inflexão narrativa. E talvez não pelo seu desfecho aparente.

Como se sabe, Bolsonaro foi convidado pelos seus amigos militares a fazer ser redigida uma nota na qual disse com jeitinho que o escritor radicado nos EUA precisava calar a boca. O fez, não sem antes elogiar seu patriotismo, espírito público e importância ímpar para o estado das coisas brasileiras —sobre o último item, é difícil discordar.

Mas não é Olavo o real alvo. A briga se dá entre a ala militar do governo Bolsonaro, que como o Tinhoso das Escrituras não é uma, mas várias, e os dois filhos aderentes das ideias esposadas por Olavo: o deputado Eduardo e, principalmente, o vereador Carlos.

Rodopiam pelo governo outros dervixes dessa obscura “tariqah”, escola sufista, de Virgínia: o chanceler Ernesto Araújo e sua fiel escudeira Letícia Catel, o assessor internacional Filipe Martins, de forma mais discreta o ministro Abraham Weintraub (Educação). É uma turma bastante coesa, se comparada com os seus rivais fardados, e o ponto de apoio central sempre foi a dupla 02 e 03 de filhos presidenciais.

Enfim, a redobrada artilharia de Carlos contra os militares após a suposta reprimenda do pai a Olavo apenas cristalizou a certeza de que nada vai mudar. Pior, que Bolsonaro quis mesmo mandar um recado para o alvo preferencial do filho, o vice Hamilton Mourão (PRTB).

Mourão tem sido aconselhado pelos generais da reserva com assento no ministério, e são três só no Palácio do Planalto, a deixar o assunto para lá e tocar sua vida. O problema é que exatamente essa atitude que tem levado à desconfiança da filharada acelerada do presidente e seus aliados sobre as intenções de Mourão.

Ocorre então a emergência de um fenômeno. Cada vez mais há uma dissonância entre o tom de oficiais generais da ativa, e aí falamos de duas a quatro estrelas quase indistintamente, e a moderação do pessoal do Planalto. Conversando com três importantes estrelados, para ficar na definição chorosa de Carlos, o resumo do episódio é algo assim: as Forças Armadas, Exército à frente, não tolerarão caladas a campanha contínua que atribuem também ao presidente contra Mourão.

O falante general nunca foi uma unanimidade, em especial mas não só na FAB e na Marinha, mas para os militares neste momento é “um dos nossos” que teve voto para estar na cadeira que ocupa. Raramente se referem assim a Bolsonaro, e desprezo pela história de indisciplina do capitão reformado passa por isso.

O problema é que os militares estão numa enrascada. A pergunta central é: não tolerarão, e daí? Vão deixar o governo os generais da reserva? Vão sugerir um golpe contra Bolsonaro os da ativa? Nenhuma das possibilidades está no radar, muito felizmente no caso da segunda.

Donde se vê que o bolsonarismo raiz pode ser um cachorro que enfim mordeu o carro e agora está se debatendo com a realidade, mas ao menos há ordem unida no seu centro olavista. Já os militares apresentam cunhas em seu couro de aparência uniforme, ainda mais em crescente preocupação com a realidade política e econômica do governo.

Mourão pode ser a chave da equação. O problema é saber qual general se apresentaria: o vice do presente, oásis de razão em um governo tresloucado, ou o militar do passado sem pudor de levantar hipóteses heterodoxas, quando não golpistas, para solucionar crises políticas.

Obviamente, uma real retração de Carlos e o fim de exageros ideológicos nos ministérios pode acalmar tudo, mas o fato é que contenção é um elemento contrária ao espírito de Bolsonaro. Até o próximo episódio, com a impressão citada por mais do que um ator do elenco: não parece que vai acabar bem.

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