Como duas decisões de Musk colocaram a Tesla em dificuldades

As dificuldades atuais da Tesla podem ser traçadas a duas decisões tomadas por seu presidente-executivo, Elon Musk, em 2016.

Na época, a situação financeira da companhia era sólida, e estava gerando um crescimento de vendas saudável com seus carros elétricos de luxo, destinados a compradores altamente leais. As duas decisões de Musk mudaram o rumo da Tesla, e conduziram diretamente aos seus problemas financeiros cada vez mais graves e a uma investigação sobre a companhia na SEC (Securities and Exchange Commission, agência federal que regulamenta os mercados de valores mobiliários dos Estados Unidos).

A despeito de todas as suas recentes declarações públicas, Musk não parece ter aprendido com esses erros. Já que os investidores continuam a determinar o valor da Tesla como se seu único problema fosse atender a uma demanda insaciável, as ações da companhia estão em risco grave.

No começo de 2016, o mercado de ações estava em queda. As ações da Tesla estavam em baixa, e as da outra empresa de capital aberto de Musk, a SolarCity, mostravam declínio ainda maior.

A SolarCity, como seus concorrentes que vendiam painéis solares a usuários domésticos, estava em situação financeira delicada.

Musk tentou reverter os dois declínios. Anunciou o Model 3, destinado ao mercado de massa e com preço de venda suposto de US$ 35 mil, o que poderia representar uma expansão exponencial de mercado da companhia. Mais tarde, antes mesmo de o projeto do Model 3 estar concluído, ele definiu o carro como "o maior lançamento na história dos bens de consumo".

Em conversa telefônica com analistas naquele dia, Musk disse antecipar que a Tesla viria a produzir entre 100 mil e 200 mil unidades do Model 3 no segundo semestre de 2017.

Nos 12 meses que se seguiram ao anúncio, as ações da Tesla quase dobraram de preço. A produção do Model 3, no entanto, no período mencionado por ele, ficaram em apenas quatro mil unidades.

A outra decisão fatídica de Musk naquele ano foi fundir a SolarCity e a Tesla.

A decisão acabou com a preocupação dos investidores quanto a um possível pedido de concordata da SolarCity. Por outro lado, sobrecarregou a Tesla com mais um negócio deficitário e elevou em US$ 3 bilhões as dívidas incluídas em seu balanço.

Para convencer os investidores quanto à decisão, Musk anunciou ideias para novos produtos que até agora não resultaram em uma receita significativa.

Na Tesla, as promessas de Musk forçaram a empresa a captar US$ 1,8 bilhão adicional e a correr para elevar a produção do Model 3, o que provou ser muito dispendioso. Depois de alguns problemas iniciais, as vendas estão crescendo rapidamente, mas o crescimento dos custos é ainda maior.

A alavancagem operacional --ou seja, a elevação das margens de lucro sobre cada dólar de receita adicional-- de que a Tesla necessita continua inatingível.

A Tesla está sob pressão crescente para gerar caixa, depois de consumir US$ 1,8 bilhão em reservas de caixa nos primeiros seis meses do ano.

A empresa tem cerca de US$ 1,3 bilhão em títulos de dívida conversíveis com vencimento em novembro e março. Suas contas a pagar eram de US$ 3 bilhões e seu caixa de apenas US$ 2,2 bilhões, em 30 de junho. Se o leasing capitalizado da empresa for incluído, suas dívidas de longo prazo superam os US$ 11 bilhões, de acordo com a FactSet.

Os fornecedores da Tesla começam a se preocupar quanto ao pagamento do que a empresa lhes deve.

A frustração de Musk com o escrutínio que suas projeções vêm atraindo cresceu a ponto de ele recorrer ao Twitter para anunciar que tinha uma operação preparada para fechar o capital da companhia.

Os tuítes deram início a um frenesi de especulações sobre uma transação privada avaliada em US $ 70 bilhões --Musk ofereceu US$ 420 por ação de uma empresa que nunca lucrou anualmente.

Na sexta-feira (24), 17 dias depois do anúncio, o executivo voltou atrás e afirmou que a montadora continuará com as ações cotadas em Bolsa. Musk disse ter tomado a decisão após consultar acionistas grandes e pequenos. Depois disso, diretores disseram apoiar a manutenção dele no comando da empresa.

As projeções otimistas de Musk quanto ao Model 3 estão sob investigação pela SEC. Por isso, ele sentiu a necessidade de afirmar em email que a Tesla não estava para pedir concordata.

O empresário talvez tenha imaginado que permitir a concordata da SolarCity prejudicaria a reputação que construiu com o PayPal e com sua companhia de foguetes, a Space Exploration Technologies. Uma concordata poderia prejudicar todos os seus negócios, incluindo a Tesla, que estava vendendo ações regularmente para bancar seu crescimento.

A Tesla tem diversas opções para escapar à sua situação atual. Pode reduzir a escala de seus planos de produção do Model 3 a um ponto que lhe permita produzir o carro com lucro. A Tesla afirma que gerará lucro este trimestre, mas dado seu histórico de projeções otimistas em excesso, mesmo os mais positivos dos analistas estão céticos, e preveem prejuízo da ordem de US$ 1,19 por ação.

É possível, entretanto, que ela registre lucro, porque o Model 3 está sendo vendido por US$ 50 mil ou mais, e não pelos US$ 35 mil prometidos. Uma opção financeira, presumindo que a SEC a autorize, seria vender ações, mas a Tesla declarou repetidamente que não planeja fazê-lo.

Opção mais arriscada seria persuadir os detentores dos US$ 1,3 bilhão em títulos conversíveis da empresa com vencimento nos próximos meses a aceitar pagamento em ações da Tesla, e não dinheiro, de acordo com Vicki Bryan, fundadora da empresa de pesquisa Bond Angle.

Ela prevê que isso minimizaria a diluição sofrida pelos investidores atuais e reduziria acentuadamente a dívida de curto prazo, dando à Tesla uma janela adicional de seis ou sete meses para preservar seu caixa.

Não importa o que a Tesla escolha fazer, Musk terá de mostrar que a lição foi aprendida. Se não o fizer, os investidores encararão com ceticismo qualquer plano que ele oferecer.

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