Comemoradas mundialmente, conquistas do SUS correm riscos

Enquanto 194 países do mundo acabam de reafirmar em Astana (Cazaquistão) o compromisso com a defesa da justiça social, a saúde para todos e a superação das desigualdades, o Brasil está prestes a retroceder ainda mais nessas questões a depender dos resultados das eleições deste domingo (28).

Durante a conferência, o país foi citado três vezes no primeiro dia em debates e apresentações e pelo menos cinco vezes no segundo. Todas foram menções elogiosas pelo o que tem feito na atenção primária apesar do reconhecido subfinanciamento.

O candidato Jair Bolsonaro (PSL), que está em primeiro lugar nas pesquisas, já disse reiteradas vezes, inclusive no seu plano de governo, que o SUS tem dinheiro suficiente e que não vai aumentar os recursos para o sistema. Para ele, o problema é de gestão. Isso também é verdade, mas não elimina a real falta de financiamento desde a sua criação, fartamente documentada em relatórios internacionais.

 

Voltando à Astana, foi lindo ver até a nossa vizinha Argentina se rasgando em afagos ao modelo de cuidado brasileiro.

Vocês devem estar aí pensando: é porque eles não conhecem o SUS e esta repórter vive no mundo da Lua.

E eu digo: é porque eles conhecem muito bem a nossa experiência na atenção primária, que já foi largamente documentada e estudada por periódicos que são referência na saúde mundial, como o Lancet e o BMJ (British Medical Journal).

Mas vejam bem. Estou falando da porta de entrada do SUS, que, embora ainda tenha muitas falhas, se destaca em comparação a outros países de igual perfil socioeconômico. Não entra nessa avaliação, por exemplo, as filas intermináveis por consultas especializadas e cirurgias.

Um dos principais elogios é ao fato de o Brasil ter ancorado a sua atenção primária no programa ESF (Estratégia Saúde da Família) e, juntamente com a oferta de medicamentos por meio de programas como o Farmácia Popular, ter conseguido reduções expressivas nas taxas de mortalidade infantil e de doenças cardiovasculares, por exemplo.

Os programas de imunização, de HIV-Aids e de atenção psicossocial (Caps) também foram citados em Astana como exemplos a serem seguidos por outros países do mundo.

O mais irônico foi o ministro da Saúde, Gilberto Occhi, não estar presente no evento para ouvir isso tudo.

Havia uma delegação brasileira, formada por pesquisadores da Fiocruz, do conselho nacional de saúde, entre outros, mas, pela regra da conferência, só o ministro de cada país tinha o direito de fala nos painéis principais.

Como resultado, o país mais citado na principal conferência mundial em saúde pública praticamente ficou em silêncio.

Mas a ausência é também simbólica. Aos poucos, conquistas como a redução das taxas de mortalidade infantil e de mortes prematuras por doenças crônicas e o aumento da cobertura vacinal começam a retroceder, como revelou esta Folha. E, se persistir o cenário de congelamento de recursos em saúde (o que Bolsonaro também já sinalizou manter) e de cortes, as projeções futuras são catastróficas.

Há um temor até mesmo em relação ao futuro de programas consolidados como HIV-Aids. Nos bastidores, Bolsonaro vem dando sinais de que pode fazer mudanças (cortes? extinção? Ninguém sabe ao certo, aliás, como tudo o diz respeito ao seu plano de governo).

O mesmo acontece com o programa saúde da família, que, lentamente, está perdendo equipes, como acontece no Rio de Janeiro e, consequentemente, sofrendo riscos de desmonte.

Neste momento de ameaças às conquistas do SUS e de flerte com o autoritarismo, vale muito a pena ler um artigo publicado pela Fiocruz sobre como se (des)organizava a saúde no Brasil sob a ditadura:  http://cee.fiocruz.br/?q=antes-do-sus

A poucas horas das eleições do segundo turno, esses argumentos dificilmente farão eco na cabeça de quem tem pouco apego à saúde pública ou que não se importa em dar um cheque em branco a um candidato que se furtou a debater sobre as principais questões brasileiras.

Mas deixo para vocês uma pergunta que me foi feita várias vezes por incrédulos membros de delegações de outros países: is Brazilian democracy in danger? Aren’t you afraid? (A democracia brasileira está em perigo? Vocês não estão com medo?)

A fala do ex-presidente do STF Joaquim Barbosa neste sábado (27) parece dar a resposta.

 A jornalista Cláudia Collucci viajou ao Cazaquistão a convite da OMS e da Unicef

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