Com Neymar como garoto-propaganda, liga francesa mira mercado americano

O futebol francês está passando por uma onda de vendas. Ainda celebrando a vitória na Copa do Mundo, a França está à procura de compradores para até seis times de sua principal divisão de futebol profissional, a Ligue 1, disse Didier Quillot, presidente-executivo da organização.

O dirigente está à caça de investimentos em um lugar pouco comum para o futebol: os Estados Unidos. Armado de uma apresentação de 32 páginas dirigida a investidores, Quillot já viajou para a América do Norte seis vezes este ano.

Ele recebe convidados para almoços e fala em reuniões. Tenta conquistar bancos que operam no ramo do esporte, donos de equipes esportivas americanas e outros empreendedores que podem considerar a França como alternativa, a exemplo do que aconteceu com Frank McCourt, antigo dono do time de beisebol Los Angeles Dodgers, que adquiriu o Olympique de Marselha em 2016.

Ele diz a todos que "a França é a próxima grande tendência". Quillot, de 59 anos, foi presidente de uma das operadoras francesas de telefonia móvel e de uma das maiores empresas de mídia de seu país. Acredita ter as habilidades necessárias a "energizar" uma organização que ele admite vir sendo medíocre, mais fixada em regras e regulamentos do que no faturamento, e que está cerca de duas décadas defasada com relação aos competidores na busca de fontes de crescimento além de suas fronteiras.

Embora a recente vitória da França na Copa do Mundo tenha colocado em destaque os talentos prodigiosos de que o país dispõe, também expôs o quanto a principal liga do país ficou para trás de torneios rivais: na final da copa, em Moscou, Kylian Mbappé era o único titular em campo que defendia um time francês.

A liga francesa fica aquém dos competidores em receita, e por isso os jogadores criados pela linha de produção futebolística do país não demoram a ser vendidos para times de ligas rivais mais ricas. A Ligue 1 há um bom tempo é vista como a quinta força entre as chamadas cinco grandes da Europa. Fica atrás das ligas da Inglaterra, Espanha, Alemanha e Itália.

Para mudar essa dinâmica, a Ligue 1 contratou Quillot em 2016. Depois de negociar um contrato recorde para os direitos de televisão do torneio - que valerão 1,2 bilhão de euros (R$ 5,06 bilhões) ao ano a partir de 2020 (um valor comparável ao da Alemanha, Espanha e Itália), Quillot agora tem o mercado internacional na mira.

Ele deseja investidores americanos para trazer não só dinheiro mas prestígio e experiência de marketing à Ligue 1, ainda que a maioria das equipes da organização termine a temporada milhões de dólares no vermelho, e os valores de mercado dos clubes estejam estagnados.

A urgência dele quanto à diversificação internacional - e isso em um país que muitas vezes encara os forasteiros com desconfiança - ilustra até que ponto a diversificação internacional se tornou crucial para o sucesso no futebol, esporte no qual, uma geração atrás, jogadores e clubes raramente buscavam recursos além de suas fronteiras.

"É mais que hora de os franceses começarem a pensar para fora, em lugar de se manterem introspectivos", disse Jérôme de Bontin, executivo de futebol que comandou o New York Red Bulls, da Major League Soccer, a principal liga do futebol masculino dos Estados Unidos, e o Monaco, um dos clubes de melhor desempenho da França, nas últimas temporadas.

Quillot disse ter uma lista de potenciais compradores americanos para dois clubes, ainda que não os tenha identificado. Um consórcio apoiado pela King Street Capital e Fortress Investment Group também está perto de fechar uma transação separada e adquirir o Bordeaux por US$ 100 milhões (R$ 369 milhões).

Mas financistas americanos que conversaram com Quillot continuam céticos, afirmando que pouca gente nos Estados Unidos está disposta a arcar com o prejuízo anual de entre US$ 10 milhões  (R$ 36,9 milhões) e US$ 20 milhões  (R$ 73,8 milhões) associado à propriedade de um time da Ligue 1, enquanto espera o valor de mercado de um clube subir.

O dinheiro americano certamente passou a desempenhar papel maior no futebol da Europa, especialmente o da Inglaterra. Os responsáveis por essas apostas registraram resultados contraditórios. Para cada Manchester United ou Liverpool, há um Aston Villa ou Sunderland.

Fora da Inglaterra, a Roma, propriedade de James Pallotta, um veterano dos fundos de hedge radicado em Boston, sofreu prejuízos de mais de US$ 225 milhões desde que ele assumiu o controle do clube em 2012. E os clubes franceses ainda não conquistaram espaço em mercados como a Ásia e os Estados Unidos, onde os principais clubes das grandes ligas europeias mantêm presença de marketing há décadas, disse Edward Blackmore, que dirige a consultoria esportiva OGC Capital.

"Você concorre contra caras que estão no mercado há 20 anos, e cujo alcance é imenso", ele diz. Talvez não exista exemplo melhor do problema de visibilidade da Ligue 1 do que o fato de que ela não conseguiu vender direitos de transmissão televisiva ao Brasil, o país de origem do maior astro da liga, Neymar.

 

O país é obcecado quanto ao desempenho e forma de seu habilidoso atacante, e tudo que ele faz é acompanhado atentamente pela mídia noticiosa, mas as partidas da Ligue 1 não são transmitidas ao vivo para o mercado brasileiro.

As redes de TV locais não estão convencidas do valor dos direitos de transmissão do futebol francês. O Brasil não está sozinho. Os direitos internacionais da liga francesa custam 75 milhões de euros (R$ 316,5 milhões) por temporada, cerca de um terço do valor investido pelo Paris Saint-Germain na contratação de Neymar. Ligas rivais geram valores muito mais altos.

A Premier League inglesa arrecada US$ 1,3 bilhão (R$ 4,8 bilhões) ao ano em direitos de transmissão internacionais. "Nossa tarefa número um é buscar investidores e nossa tarefa número dois é melhorar e elevar o valor de nossos direitos televisivos fora da França", disse Quillot.

De fato, valores assim baixos pelos direitos de transmissão internacionais representam uma promessa de crescimento, o que pode atrair potenciais compradores. Mas para realizar essa ambição, a liga terá de chegar a acordo com a beIN Sports, do Qatar, que detém os direitos nacionais de transmissão.

O relacionamento entre a Ligue 1 e os qatarianos é complexo. O fundo nacional de investimento do país é dono do Paris St.-Germain, time de astros que é a principal fonte de interesse pela liga. Quillot o descreve como "tête de gondole", ou vitrine, do futebol francês.

Os qatarianos gastaram mais de US$ 1,1 bilhão (R$ 4,05 bilhões) desde que adquiriram o clube em 2011, construindo um elenco liderado por Neymar e Mbappé, dois jogadores cujas transferências são a primeira e segunda mais caras da história do futebol. O investimento da beIN nos direitos nacionais de transmissão do campeonato francês também resultou em alta no faturamento dos 19 outros times da Ligue 1.

Mas a rede vem encontrando dificuldade para conseguir distribuição em alguns países, especialmente nos Estados Unidos, onde ela funciona como canal premium disponível em apenas alguns domicílios. Quillot disse manter contato regular com Yousef al-Obaidly, o vice-presidente executivo da rede, buscando maneiras de melhorar o contrato.

Quillot aponta para estatísticas que mostram alta de público e para o contrato recorde de direitos de transmissão como sinais de que o domínio do Paris St.-Germain não está prejudicando o interesse local pela liga. Mas clubes rivais, especialmente o Lyon, que era a força dominante da Ligue 1 antes da tomada de controle do clube parisiense pelos qatarianos, expressaram sua frustração com a situação.

O novo lema da liga, "la ligue des talents" (a liga dos talentos), alude à sua capacidade incomparável de formar jogadores. Os grandes times europeus em geral contam com pelo menos um jogador formado na França em seus elencos. Nesta temporada da Champions League, 72 dos jogadores inscritos começaram na França, e 52 jogadores que participaram da Copa do Mundo foram formados em escolas francesas de futebol.

É frequente que jogadores ainda adolescentes sejam negociados, para equilibrar as contas de seus clubes. Apenas oito dos 23 jogadores da seleção francesa na Copa do Mundo jogavam no país. No momento, as transferências de jogadores são provavelmente o principal fator na atração de potenciais investidores à França, disse o financista Blackmore.

O ponto é explicitado em uma brochura criada pelo banco de investimento Lazard para promover a venda do St.-Étienne, um dos clubes mais tradicionais da França. Mencionando 12 possíveis transferências, o clube diz a potenciais investidores que é capaz de "detectar jogadores de alto potencial" e desenvolver sua técnica, "para enfim realizar ganhos significativos com uma revenda oportuna, e sem afetar os resultados esportivos".

A Ligue 1 agora tem um escritório permanente na China, seu único fora da França, e assinou um contrato para realizar três edições do Trophée des Champions, o evento de abertura de sua temporada, em Shenzhen.

A primeira edição, este ano, atraiu 41 mil torcedores. A liga também mudou os horários dos jogos para acomodar os espectadores asiáticos. É claro que a Premier League fez coisa parecida mais de uma década atrás. 

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