Com menos pizza e mais ioga, jogadores de e-sports se preparam como atletas

Os agachamentos e elevações de pernas eram mais difíceis do que pareciam e, depois de algumas repetições, Alfonso Aguirre Rodriguez colocou as mãos nos joelhos e tentou se recompor.

Em novembro, o espanhol Aguirre, 24, jogador profissional de videogames, passou a fazer parte da Origen, uma equipe de League of Legends com cinco integrantes que participa do principal campeonato europeu desse jogo. Os participantes —todos contratados no final do ano passado— foram informados no momento da contratação que a equipe talvez funcionasse de maneira um pouco diferente daquela a que estavam acostumados. E foi isso que levou aqueles cinco jovens que ganham a vida sentados diante de seus computadores e quase sem se mexer a uma academia de ginástica em Copenhagen, para uma suada sessão de exercícios de uma hora de duração.

"Achou que vou vomitar meu mingau", disse Aguirre, conhecido no mundo do videogame como Mithy. "Estou morrendo".

Alguns anos atrás, as ligas de esportes tradicionais foram revolucionadas pela chegada de jovens analistas armados de computadores. Eles provaram que a forma pela qual as coisas sempre foram feitas no esporte não era sempre a melhor forma, afinal. Agora, ecos dessa transformação chegaram ao mundo do esporte eletrônico ("e-sports"), que vem evoluindo rapidamente e cujos jogadores estão sendo estimulados a cruzar uma nova fronteira —conduzidos pela velha sabedoria física dos esportes tradicionais.

O debate sobre se jogadores profissionais de videogames devem ou não ser considerados atletas talvez nunca chegue a uma conclusão. Enquanto isso, porém, os jogadores de videogames estão começando a agir mais e mais como atletas.

A Origen é uma das duas equipes controladas pela Rfrsh Entertainment, uma companhia de "e-sports" sediada em Copenhagen. Dois anos atrás, a empresa contratou Kasper Hvidt, antigo capitão da seleção dinamarquesa de handebol masculino, como seu diretor de esportes. Hvidt, 43, não tinha exposição anterior aos jogos eletrônicos. E foi esse exatamente o motivo de sua contratação.

Os "e-sports" vêm ganhando espaço na mídia e no mercado, nos últimos anos, atraindo novos fãs, novos patrocinadores e novos investimentos. Os profissionais de ponta agora ganham salários de centenas de milhares de dólares por ano, e faturam ainda mais com patrocínios e prêmios. Mas, como aponta Hvidt, eles continuam a encartar a questão do desempenho de maneira amadora.

Comer bem, dormir bem, fazer exercícios, ter uma aparência limpa para representar bem os patrocinadores - todas essas são ideias básicas há décadas, no esporte tradicional. Nos "e-sports", são vistas como quase radicais.

"Eles não pensam neles mesmos como seres humanos físicos", disse Hvidt, que venceu o campeonato europeu de handebol com a seleção dinamarquesa, em 2008.

 

"É só bom senso, de certo modo. Mas para eles as coisas não eram assim", ele diz.

A Rfrsh tem uma história de sucesso para validar sua ideia. A segunda equipe da companhia, Astralis, que compete internacionalmente no jogo de combate "Counter Strike: Global Offensive", estava há quase um ano sem vencer um torneio quando Hvidt foi contratado, na metade de 2017. Em 2018, a Astralis conquistou US$ 3,7 milhões em prêmios e se tornou uma das equipes mais dominantes dos últimos anos, em qualquer modalidade de esporte eletrônico.

E por isso a Origen este ano embarcou na mesma jornada de aperfeiçoamento atlético pessoal. Até o ano passado, o dia típico dos jogadores era uma orgia sedentária de refrigerantes açucarados, fast food e tensões psicológicas não resolvidas. Agora, seus dias estão repletos de "smoothies" de alto teor proteico, esteiras de ioga e exercícios de respiração.

O efeitos das mudanças são evidentes, afirma a equipe. Depois de começar a temporada atual com uma vitória e quatro derrotas, a Origen entrou em uma fase excelente, vencendo 11 de suas 13 disputas finais e concluindo a temporada regular em segundo lugar, garantindo folga na primeira rodada dos playoffs, que começou na sexta-feira.

"São coisas pequenas", disse Fabian Broich, treinador assistente da Origen. "Mas juntas elas fazem efeito, e em longo prazo você tem uma equipe com mais estabilidade emocional, mais foco".

Hvidt montou uma equipe de desempenho na Rfrsh - com um preparador físico, um psicólogo do esporte, um massagista, um médico e um nutricionista -, e criou um plano de estilo de vida para os jogadores, combinando pesquisa científica, conhecimentos esportivos tradicionais e simples bom senso. Broich, 28, que foi futebolista profissional na Alemanha, serve como ligação entre os executivos da empresa e os jogadores, e garante a implementação prática dos princípios.

Os jogadores vêm de cinco países europeus e têm idades de entre 18 e 24 anos; eles vivem na Dinamarca e voam a cada final de semana para Berlim, onde os jogos de League of Legends são filmados diante de uma ruidosa audiência de estúdio. Em Copenhagen, eles têm de se deslocar de bicicleta (regra que todos odiavam, inicialmente), e fazem aulas de condicionamento físico e ioga durante a semana. Na segunda-feira, passam por uma reunião com o psicólogo da equipe, para "esvaziar a mochila".

A cada manhã, a equipe se reúne para o café no apartamento de Broich, um ritual concebido em parte para tirar os jogadores - todos eles notívagos e acostumados a acordar tarde - da cama em horário razoável. As demais refeições são preparadas para eles de acordo com instruções do nutricionista.

"Antes, eu ia dormir às 5h e acordava às14h do dia seguinte, fazia duas refeições no McDonald's, e era isso", disse o tcheco Patrick Jiru, 18, um dos jogadores da Origen, enquanto comia salmão e um omelete de legumes, em um café da manhã recente.

Depois do café, eles vão de bicicleta à academia, para uma sessão de exercício e de fisioterapia.

"Da última vez que fizemos isso, fiquei com dores no corpo por três dias", disse o dinamarquês Jonas Andersen, 24, jogador da Origen conhecido como Kold, enquanto apanhava uma bola para seus exercícios.

Mikkel Hjuler, preparador físico que trabalha com atletas olímpicos dinamarqueses, orientou a equipe durante exercícios específicos para videogames. Ele instruiu os jogadores a envolver os punhos com faixas elásticas e flexionar os dedos. Também lhes ensinou um exercício para o pescoço usado por boxeadores.

Os jogadores participam com boa vontade, mas admitem que suas ambições são modestas, do ponto de vista físico.

"Ser gordinho não me incomoda, desde que eu não desmaie quando estou correndo - o que, neste exato momento, poderia acontecer", disse Aguirre.

Os jogadores ainda treinam diversas horas por dia em seus computadores, mas mesmo essas sessões agora tomam de empréstimo elementos do esporte tradicional.

Antes de uma sessão recente de combate na sede da Rfrsh, Broich distribuiu pílulas de magnésio e barras de proteína. (Ele também tem vitamina D e óleo de "krill" em seu arsenal.) Mais tarde, preparou um "shake" de proteína espesso, com uma combinação de suplementos nutricionais - moringa, matcha, maca peruana, clorela, açaí, e meia dúzia de outros.

Na sala de reuniões da equipe, há uma citação de Phil Jackson, treinador da NBA, escrita no quadro de avisos: "A força do time é cada membro individual". Depois de um jogo-treino, a equipe estendeu as esteiras de ioga e fez alongamento, usando rolos de espuma como apoio.

Trevor Henry, 31, comentarista televisivo da Riot Games, a empresa que organiza os torneios de League of Legends, ficou espantado com a profissionalização rápida dos esportes eletrônicos. Uma das coisas que o agrada é que as equipes reconsideraram o uso das chamadas "gaming houses", um esquema clássico dos "e-sports" sob o qual os jogadores moravam e treinavam juntos.

"Alguns anos atrás, os jogadores profissionais jogavam 10 ou 11 horas por dia e pediam comida delivery a cada dia", disse Henry. "As salas ficavam lotadas de caixas de pizza. Eles nunca lavavam suas roupas. Serei brutalmente honesto: as equipes não lavavam nem as camisas que usavam nos jogos. Usavam a mesma camiseta 24 semanas por ano, sem nem passar perto de um detergente".

Esse estilo de vida —meio monge, meio morador de república universitária - era não só aceito mas entendido como motivo para o sucesso de uma equipe. Mas essa visão agora está sendo contestada e, na Europa, a mudança do League of Legends este ano para um modelo de torneio com 10 equipes profissionais franqueadas (semelhante ao das ligas de esportes dos Estados Unidos) encorajou organizações a realizar investimentos mais duradouros.

No ano passado, Fabien Devide, presidente da Team Vitality, uma organização francesa de jogos eletrônicos, viveu por sete meses na "gaming house" da equipe de League of Legends de sua organização, em Berlim. O que ele viu o espantou.

"Era um manicômio", disse Devide, descrevendo uma atmosfera na qual não existia qualquer fronteira entre a vida pessoal e a profissional. "Um ambiente assim pode se tornar tóxico muito rápido".

Devide disse que a Team Vitality planejava instalar seus jogadores em apartamentos separados ainda este ano. Reconhecendo o exemplo pioneiro da Rfrsh, ele disse que estava formalizando os planos de criar um centro de treinamento para sua organização em Paris e contratar um diretor de desempenho, com papel semelhante ao de Hvidt, para desenvolver um programa baseado nas ideias do esporte profissional.

As equipes hoje compreendem que campeonatos são ganhos e perdidos por conta de detalhes. Quando a Origen estava montando sua equipe, no ano passado, Hvidt pediu que os potenciais contratados fizessem um teste de personalidade no qual precisavam responder a centenas de questões, para garantir que estivesse formando uma equipe emocionalmente compatível.

Em dezembro, os jogadores se reuniram para o treinamento pré-temporada, mas com uma ressalva: não levaram seus computadores. Eles passaram dias fazendo exercícios de confiança e discutindo seus sonhos com Lars Robl, psicólogo esportivo que trabalhou por duas décadas com as forças especiais do exército dinamarquês — '"Counter Strike' real", ele brincou— e cujos demais clientes incluem o Midtjylland, um time de futebol dinamarquês.

O trabalho de Robl agora é o de ajudar os jogadores a se verem como atletas de elite, a exemplo do que acontece com os futebolistas.

"Eles têm o mesmo DNA", disse Robl. "Só não sabem disso ainda".

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