Com intrigas, traições e bilhões da TV, Inglês virou liga mais rica do mundo

​Estudo encomendado pela Premier League (a primeira divisão do futebol inglês) mostra que os 20 clubes do torneio geraram 7,6 bilhões de libras (R$ 37,5 bilhões) para a PIB (Produto Interno Bruto) do Reino Unido durante a temporada 2016/2017. 

A cada final de semana, 185 países assistem os jogos do torneio pela TV, com audiência estimada em 4,7 bilhões de pessoas.

Criada em 1992, a liga representou ruptura dos clubes com a Football League, entidade que reunia os 92 times profissionais do país. A Premier League, a versão moderna do Campeonato Inglês, se tornou a competição nacional mais rica e invejada do planeta. As próprias equipes passaram a ser responsáveis pela organização e a ganhar com isso. 

A história de intrigas, traições, contratos de televisionamento e (muito) sucesso está contada no livro “The Club: how the Premier League became the richest, most  disruptive business in Sport” ("O Clube: como a Premier League se tornou a mais rica, o mais perturbador negócio do esporte”), escrito por Jonathan Clegg e Joshua Robinson, jornalistas do The Wall Street Journal.

A riqueza de detalhes da apuração mostra a série de fatores a conspirarem para que a Premier League mudasse o futebol. Nenhum aspecto foi tão acentuado quanto a negociação dos direitos de transmissão e a percepção do valor que o futebol ao vivo teria no mercado.

Com o sucesso inglês, os outros países e até a Fifa foram a reboque.

Cinco dos sete pacotes de transmissão para três anos (2019-2022) de elite inglesa foram vendidos por 4,64 bilhões de libras (R$ 22,9 bilhões). Na temporada 1985-1986, o campeonato começou sem um acordo para os jogos serem mostrados na TV. Não foram vendidas sequer as imagens dos melhores momentos da rodada.

O cenário era tão drástico que a ITN (canal de notícias) se recusou a informar os resultados dos jogos. 

A situação mudou graças a trabalho de seis anos feito por cinco dirigentes dos principais clubes do país (Arsenal, Everton, Liverpool, Manchester United e Tottenham Hotspur) e de um executivo da ITV (rede de TV comercial). Eles perceberam que a televisão tinha de ser aliada, era preciso tratar o futebol como produto comercial e que a principal divisão deveria de se desvincular das demais.

Foi este o embrião que resultou na Premier League.

O livro mostra a diferença brutal que isso resultou nas finanças dos times. 

Em 1991, um ano antes do início do novo formato, a arrecadação coletiva dos 22 times da primeira divisão era de 170 milhões de libras (R$ 836,7 milhões em valores atuais) e dos 24 da segunda divisão era 58 milhões de libras (R$ 286,1 milhões).

Quinze anos depois, os números eram de 1,53 bilhão de libras (R$ 7,55 bilhões) na elite e 318 milhões de libras (R$ 1,56 bilhão) no acesso.

Há os detalhes dos acordos, os conchavos dos bastidores e como a liga nasceu à sombra da tragédia de Hillsborough e do Relatório Taylor.

Em 1989, 96 torcedores do Liverpool morreram sufocados após um setor do estádio do Sheffield Wednesday ficar superlotado. Depois do desastre, Lord Justice Taylor foi comissionado pelo governo para produzir um relatório do que havia acontecido. Ele recomendou medidas colocadas em prática até hoje. Como a proibição de torcedores em pé, o fim dos alambrados e estratégias de combate ao hooliganismo.

 

“The Club” conta como David Dein, presidente do Arsenal e uma das mentes por trás do surgimento da Premier League, vibrou ao ler o relatório e ver que Taylor criticava os banheiros dos estádios, uma de suas grandes batalhas com outros dirigentes.

“Nós estamos no negócio do entretenimento!”, ele implorava aos seus colegas.

Está mostrada também a profunda influência que a NFL teve no conceito da Premier League, como negócio e espetáculo. 

Dirigentes como Dein, Irving Scholar (Tottenham) e Martin Edwards (Manchester United) se empolgaram ao visitarem os estádios do país e conversarem com cartolas da liga profissional de futebol americano. Eles colocaram na cabeça que tinham de copiar aquele modelo para fazer dinheiro. Muito dinheiro.

Donos de franquias da NFL são proprietários de clubes ingleses hoje em dia, como a família Glazer (Manchester United) e Shahid Khan (Fulham).

Há vários detalhes saborosos de bastidores, mas nenhum que se compare a como o torneio revolucionou as transmissões de TV.

A disputa pela compra dos direitos dos jogos na temporada inaugural foi vencida pela Sky, que continua sendo a principal responsável pela transmissão para o Reino Unido. 

Foi esta a emissora de TV responsável por mudanças copiadas ao redor do mundo. A Sky implantou o sistema de transmissão com várias câmeras e replays por diferentes ângulos, com um deles flagrando as reações dos técnicos. Por causa da Premier League, as partidas transmitidas passaram a ter um marcador do tempo de jogo e do placar sempre na tela. Algo que foi detestado no início pelo público inglês.

Foi com o modelo da Sky que os comentaristas tiveram ferramentas para comentários táticos, com recursos eletrônicos. Ideia que surgiu quando o ex-atacante e comentarista Andy Gray explicou a formação de uma equipe quando conversava com produtores em um pub. Ele usava saleiros e copos para mostrar as movimentações dos jogadores.

Para os não muito fãs do excesso de descontração dos programas esportivos das emissoras brasileiras, a lembrança é que a Sky foi responsável por criar o conceito das transmissões descontraídas, com piadinhas dos apresentadores.

No primeiro contrato com os clubes da Premier League, em 1992, foi idealizado o esquema copiado por Esporte Interativo e Globo para a transmissão do Campeonato Brasileiro de 2019. 

Há 27 anos, a Sky dividiu o dinheiro por porcentagens. Metade foi repartido igualmente, 25% de acordo com o número de jogos transmitidos de cada equipe e 25% pela classificação final no torneio.

A popularidade da competição, sua capacidade de gerar dinheiro e se promover cresceu de tal forma ao redor do planeta que ela se tornou um fim em si mesma. Para os clubes menores, importante era estar na Premier League, mais até do que sonhar com classificação para torneios europeus.

Os autores relatam como o Sunderland em 2017, na campanha em que foi rebaixado, recebeu 93 milhões de libras  (R$ 458,8 milhões hoje em dia). Mais do que o PSG embolsou por ser campeão francês e o mesmo que o Real Madrid conseguiu por vencer a Champions League.

“The Club” é uma obra detalhada das transformações que a liga passou desde 1992 e que se refletiram no futebol mundial. Como excursões de pré-temporada com o único objetivo de fazer marketing. A era dos magnatas que colocam dinheiro nos clubes a fundo perdido.

O primeiro foi Jack Walker, dono do Blackburn. Mas o fenômeno se tornou mis comum a partir de Roman Abramovich no Chelsea. O livro tem histórias saborosas que por si só valem a leitura. Como o motivo para o russo não ter cogitado comprar o Arsenal ou o dia em que o Manchester City contratou Robinho porque precisava anunciar algum reforço de impacto para os novos donos e fez uma oferta para contratar Lionel Messi sem querer.

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