Com governador acusado de racismo e vice, de abuso, Virgínia mergulha em crise de sucessão

Começou com uma notícia que, sozinha, já dava pano para manga: fotos do anuário da turma de 1984 da faculdade de Medicina de Eastern Virginia mostram o governador do estado, o democrata Ralph Northam, pintado de negro e ao lado de um jovem vestido como um membro da Ku Klux Klan, o grupo de supremacistas brancos.

Nos Estados Unidos, o uso de pintura ou maquiagem para escurecer o tom da pele e se passar por negro, em técnica conhecida como "blackface", é condenado por causa do passado de segregação racial do país.

A controvérsia teve início quando Thomas Dartmouth Rice, usando esse tipo de recurso, criou um personagem fictício, Jim Crow --que depois batizaria as regras racistas aplicadas no Sul americano para separar negros de brancos após a emancipação dos escravos, em 1863.

Com o movimento pelos direitos civis, no século 20, a técnica foi sendo cada vez menos utilizada, pela conotação racista.

Na sexta-feira (1º), a notícia de que Northam, 59, havia sido fotografado não só usando a blackface, mas ao lado de um colega vestido de membro da KKK, reabriu feridas dentro da Virgínia, um dos estados que simbolizou a luta dos Confederados pela manutenção da escravidão na Guerra Civil americana.

Ato um, ainda na noite de sexta-feira: o governador disse que era uma das pessoas da foto e pediu desculpas. Ato dois, sábado: o democrata recuou e afirmou que, na verdade, não era ele, embora tenha admitido que usou a técnica no passado, ao se fantasiar como Michael Jackson.

Vários políticos vieram a público pedir a renúncia do democrata, incluindo aliados, como o ex-governador Terry McAuliffe e legisladores estaduais. Outros membros proeminentes do partido, como as senadoras Elizabeth Warren, de Massachusetts, Kamala Harris, da Califórnia, e Kirsten Gillibrand, de Nova York, se somaram a essas vozes para condenar o colega de legenda.

“A história da Virgínia infelizmente é repleta de cicatrizes e feridas não curadas causadas pelo racismo, intolerância e discriminação”, afirmou o procurador-geral da Virgínia, o também democrata Mark Herring, 57.

“É imperativo que o governador Northam escute e ouça verdadeiramente aqueles que são feridos por essa imagem conforme ele considera o que vem a seguir.”

A ironia das ironias: nesta terça (5), foi a vez de Herring admitir que ele mesmo havia usado a técnica para se passar pelo rapper negro Kurtis Blow em uma festa da universidade quando tinha 19 anos.

“Parece ridículo mesmo ao escrever isso agora”, disse o procurador geral, em comunicado. “Mas, por causa de nossa ignorância e atitudes simplistas, e porque nós não tínhamos uma compreensão das experiências e perspectivas dos outros, nós nos vestimos e colocamos perucas e maquiagem marrom.”

Segundo Herring, isso ocorreu “uma vez” só. Ele assumiu responsabilidade pelo episódio.

“Essa conduta claramente mostra que, quando jovem, eu tinha uma falta de consciência cruel e indesculpável e uma insensibilidade à dor que meu comportamento poderia infligir a outros”, disse.

“Foi realmente a minimização de negros e da história horrível que eu conhecia bem mesmo na época.”

Mas a polêmica racial não é a única a tomar conta do noticiário do estado. O vice-governador, Justin Fairfax, 39, foi assombrado por um episódio de seu passado.

O também democrata foi acusado por uma professora da Califórnia de abuso sexual cometido em 2004 durante a convenção nacional do partido. Ele nega.

De novo, nomes fortes do partido, como as senadoras Kirsten Gillibrand e Kamala Harris, pediram que o episódio seja investigado.

Os democratas se veem agora num escândalo de abuso sexual envolvendo um político da legenda, após a pressão exercida no caso das três mulheres que acusaram de assédio o juiz conservador Brett Kavanaugh, indicado pelo presidente Donald Trump à Suprema Corte americana.

A sucessão de escândalos deu um nó na linha de sucessão da Virgínia. Se Northam decidisse renunciar, o cargo de governador passaria para Fairfax. Herring seria o próximo na fila.

Northam tenta se manter no cargo até o fim da Assembleia Geral, seção conjunta da Câmara e do Senado estadual, em 23 de fevereiro. Se renunciasse, poderia criar incerteza no governo em relação ao orçamento estadual e deixar pendentes várias legislações.

“É uma bagunça”, afirmou o senador estadual Lionell Spruill depois de sair de um encontro com representantes do movimento negro e o governador.

Na manhã desta quinta (7), o presidente Donald Trump escreveu em uma rede social que os democratas estavam “matando o grande estado da Virgínia”. Ele previu ainda que o estado voltaria às fileiras republicanas na eleição presidencial de 2020.

Mas, nesta mesma quinta, os republicanos da Virgínia viram o partido envolvido num caso de racismo. O líder da maioria republicana no Senado, Thomas Norment, teria ajudado a supervisionar um anuário do Instituto Militar da Virgínia que continha fotos racistas e ofensas raciais, entre elas pessoas usando blackface.

Norment, senador estadual desde 1992, foi o editor responsável pelo anuário, publicado em 1968, segundo o jornal The Virginian-Pilot.

Em uma das páginas, um estudante usa blackface em uma festa. Em outra, dois homens de blackface seguram uma bola de futebol americano. Questionado por repórteres, o republicano não quis comentar o episódio.

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