Com falas sobre 'vingar Marielle' e mudar política, novatos lançam candidaturas

"Uh, é mulher preta", "uh, é sapatão", "uh, é bicha preta", "uh, é maconheiro". Os gritos em coro eram puxados pela plateia enquanto se apresentavam pré-candidatos que se identificam como membros do campo progressista, durante um evento em São Paulo neste sábado (7).

 

Ao longo de cinco horas, o Ocupa Política reuniu no Teatro Oficina (região central) cerca de 50 lideranças de cinco estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pará e Santa Catarina) que disputarão as eleições de outubro para o Legislativo.

Foi um misto de celebração e protesto, com representantes de PSOL (maioria no grupo), PT, Rede, PV e PSB. Propostas como renovação parlamentar, resistência à onda conservadora e novas formas de ativismo político foram as mais ouvidas.

À frente da organização estavam dois movimentos independentes: a Bancada Ativista, de São Paulo, e o Muitas, de Belo Horizonte. Ambos sugerem o modelo de candidaturas coletivas como meio mais eficaz para a chegada aos espaços de poder (e ambos foram bem-sucedidos nas eleições de 2016, com vereadoras eleitas nas duas cidades).

O grupo que se encontrou no Ocupa Política —unido por bandeiras como feminismo, direitos humanos, demarcação de terras indígenas e quilombolas, descriminalização do aborto, liberação de drogas e desmilitarização da polícia— era dominado por novatos e mulheres, muitas delas negras.

"A gente quer vingar Marielle [Franco] nas urnas", disse a pré-candidata a deputada estadual Monica Seixas (PSOL-SP), 31, ela mesma uma representante do perfil da vereadora assassinada em março no Rio e lembrada em várias ocasiões durante o ato-debate.

Mulher, negra, periférica, mãe e de ideais esquerdistas, a jornalista será o principal rosto da candidatura da Bancada Ativista para a Assembleia Legislativa de São Paulo. Mas ela não fará campanha sozinha: terá ao seu lado outras oito pessoas, pedindo voto para um número só. Se o grupo for bem-sucedido, exercerá o mandato em conjunto.

Na primeira parte do evento, os pré-candidatos sentaram cara a cara com pessoas do público que queriam conversar com eles e fazer perguntas. No chamado flertaço, eleitores ficaram na fileira de cadeiras à direita. Políticos foram posicionados na da esquerda.

"Mas quando eu votar vai aparecer o nome de quem na urna?", perguntou a professora aposentada Janice Peres, 58, à pedagoga Chirley Maria, 44, índia da etnia Pankará que faz parte da candidatura da Bancada Ativista.

Sentada ao lado, Monica se prontificou a explicar que a imagem será a dela própria, mas o voto valerá para todos (além de indígena, o bloco tem mulher transexual, ativista do parto humanizado e militante dos direitos dos animais). "Queria entender porque meu voto é de vocês. Temos que enfrentar as posições da bancada evangélica", respondeu Janice.

Também estavam no Oficina candidatos nos moldes tradicionais, que concorrerão por si mesmos. Célio Gari, 51, desempregado desde que participou da greve dos funcionários de limpeza urbana no Rio em 2014, falou da vontade de entrar na política para defender os trabalhadores.

De dreads no cabelo e camiseta com a frase "A casa grande surta quando a senzala aprende a ler", ele disse que o primeiro desafio será convencer os eleitores a irem votar. "Temos que atrair esses desencantados, para que participem e ajudem a tirar essa casta do poder", afirmou o pré-candidato a deputado estadual pelo PSOL.

A preocupação com os índices de abstenção e de votos nulos e brancos se soma a outros obstáculos que candidaturas como a de Célio Gari devem enfrentar. As dificuldades de financiamento e as vantagens dos políticos em busca de reeleição foram lembradas.

"O que está acontecendo aqui hoje é guerrilha", comparou o cientista político Marcos Nobre, convidado para mediar uma das rodas de conversa, ao dizer que a reforma política feita no ano passado privilegia pessoas e partidos que já detêm o poder.

"Devemos pensar, sobretudo, em uma renovação de práticas", defendeu Marina Helou, postulante da Rede a uma vaga na Assembleia Legislativa de São Paulo.

Preenchido pelos "candidatis" (como os mestres de cerimônias pronunciavam a palavra "candidatxs", ou seja, sem gênero especificado), o palco do teatro recebeu apresentações de cantos indígenas e de rap. Participantes leram em jogral um manifesto resumindo por que estavam ali.

O texto reforçava discursos por uma democracia real, livre de preconceitos e com mais representatividade nas instituições. Um trecho enfatizava: "Estamos aqui por e com Marielle". A vereadora do PSOL participou da edição anterior do Ocupa Política, em dezembro, em Belo Horizonte.

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