Choques entre núcleos pragmático e ideológico atrapalham governo Bolsonaro

Em pouco mais de dois meses, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) consumiu parte de seu capital político para pacificar as divergências entre as duas principais forças de seu governo, que promoveram sucessivas crises e ofuscaram a viabilidade de uma agenda positiva.

Numa ponta está uma ala mais pragmática, composta por militares e técnicos, que prega uma postura mais próxima ao “soft power”.

Na outra, o grupo ideológico capitaneado por seus filhos Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e por seguidores do escritor Olavo de Carvalho.

Em meio à divergência de opiniões, ações consideradas importantes e até promessas de campanha têm sido colocadas em segundo plano —e algumas medidas relevantes perdem espaço no noticiário, sufocadas pelas crises.

A comunicação do governo é o exemplo mais evidente dessa divergência. As redes sociais do presidente, em especial o Twitter, destoam do tom dos comunicados oficiais do Palácio do Planalto.

Enquanto o porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, adota uma postura apaziguadora nos pronunciamentos diários à imprensa, as postagens nas contas de Bolsonaro seguem o mesmo tom belicoso do período da campanha.

As diferenças se devem ao fato de o gabinete pessoal do presidente hoje ser controlado pelo grupo ideológico, que cuida das redes, enquanto a estrutura oficial de comunicação com a imprensa é comandada pelos militares.

Responsável pela estratégia de uso das redes sociais do pai, o vereador Carlos Bolsonaro blindou as contas oficiais do presidente. Ele emplacou seu ex-funcionário Tercio Arnaud na assessoria especial da Presidência e Floriano Amorim na chefia da Secretaria de Comunicação Social.

Também é frequente a presença de seu primo e amigo Leonardo de Jesus, o Leo Índio, que não tem cargo, no 3º e 4º andares do Planalto.

As postagens feitas por Bolsonaro durante o Carnaval —que incluíram um vídeo obsceno e um termo usado para um fetiche sexual— exaltaram as divergências de opinião dos grupos e criaram no presidente a consciência de que é necessário fazer ajustes.

Após repercussões negativas, ele foi convencido por militares a divulgar uma nota amenizando o tom de crítica ao Carnaval.

Auxiliares alertaram o presidente que esse tipo de acontecimento gera desgaste e pode colocar a perder seu capital político e popularidade de início de governo, necessários para aprovação de
medidas prioritárias, como a reforma da Previdência.

O episódio foi detectado pelo monitoramento como desencadeador de desmobilização de apoiadores de Bolsonaro nas redes. Foi a segunda vez que isso foi percebido.

A primeira se deu em fevereiro, quando o presidente usou o Twitter para chamar o então ministro da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno, de mentiroso —ele caiu após passar por cinco dias de fritura pública depois da revelação pela Folha do envolvimento dele com um esquema de candidaturas de laranjas do PSL.

Embaixada em Jerusalém

Os embates entre “ideológicos” e “pragmáticos” foram percebidos também em outras áreas, como no Ministério de Relações Exteriores, na Educação e na Justiça.

As indicações de alguns embaixadores ainda não saíram por falta de consenso.

Além disso, a promessa de campanha de Bolsonaro de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém é um exemplo de assunto postergado. O núcleo ideológico apoia a bandeira da bancada evangélica e convenceu o presidente a defender a mudança. A reação do setor produtivo foi a pior possível.

Com a possibilidade de o Brasil sofrer retaliações econômicas do mundo árabe na importação de proteína animal, o grupo moderado iniciou uma articulação para que o presidente desistisse da ideia.

O movimento foi costurado pelo vice-presidente, general Hamilton Mourão, que se aproximou de diplomatas do Oriente Médio, e pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, próxima dos produtores agropecuários.

Para enfraquecer a proposta, Mourão fez declarações públicas reafirmando que a mudança não estava decidida, apesar de Bolsonaro ter sido enfático de que ela ocorreria. Sob pressão, o presidente decidiu colocá-la em banho-maria e só tomar decisão após as eleições em Israel, marcadas para abril.

Em conversas recentes, relatadas à Folha, Bolsonaro tem dito que mudou de ideia em relação ao discurso da campanha e que receia os impactos econômicos. Para não desagradar a bancada evangélica, uma de suas bases de sustentação no Poder Legislativo, a ideia é que ele “leve o assunto com a barriga”, como definiu um assessor presidencial.

Venezuela

A crise na Venezuela foi outro episódio que colocou em lados opostos os dois grupos. O chanceler Ernesto Araújo adotou uma postura de alinhamento aos Estados Unidos, que estimulava o rompimento das relações diplomáticas, da cooperação militar e a utilização de tropas brasileiras para resolver a instabilidade no país sul-americano.

O envio de ajuda humanitária pelo Brasil foi também uma iniciativa costurada pelo chanceler, o que levou o ditador Nicolás Maduro a fechar a fronteira com o Brasil. Com o agravamento da situação, e a revolta da cúpula militar do Palácio do Planalto, o presidente interveio na atuação do chanceler e escalou Mourão para tutelá-lo em viagem à Colômbia, onde o Grupo de Lima se reuniu para discutir a crise venezuelana.

Em oposição a Araújo, Mourão tem trabalhado para restabelecer os canais de diálogo com o governo venezuelano, o que acabou sendo considerado por Bolsonaro a postura correta diante do agravamento da tensão na fronteira entre os dois países. A ideia é que Araújo seja, aos poucos, afastado em definitivo das negociações no país vizinho.

Educação e Justiça

O ministro Vélez Rodríguez, da Educação, integra a ala ideológica e, assim como Araújo, chegou ao cargo por indicação do guru da nova direita, Olavo de Carvalho.

Uma carta endereçada pelo MEC às escolas, pedindo que crianças fossem filmadas enquanto cantavam o hino nacional, gerou reações mesmo entre patriotas. Após recomendação do presidente, o ministro voltou atrás.

Na última sexta-feira (8), Vélez promoveu uma dança das cadeiras no MEC, esvaziando olavistas. As mudanças ocorreram após Olavo publicar nas redes sociais que seus ex-alunos deveriam sair do governo.

Na semana passada, houve outro conflito entre os dois grupos envolvendo indicações, mas com vitória do núcleo ideológico. Sob pressão dos filhos do presidente e de ideólogos da direita, Bolsonaro obrigou o ministro da Justiça, Sergio Moro, a revogar a nomeação de Ilona Szabó de Carvalho como suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

Moro foi desautorizado após o presidente ter sido informado que a especialista em segurança pública é crítica ao afrouxamento das regras de acesso a armas, política do atual governo, e já ter demonstrado preocupação com o pacote anticrime apresentado pelo próprio ministro. O núcleo moderado até tentou demover Bolsonaro, mas ele não mudou de posição.

A decisão irritou Moro, que afirmou em reservado ter se sentido frustrado, e a cúpula militar, que vocalizou a insatisfação por meio do vice-presidente.

“Perde o Brasil todas as vezes que você não pode sentar numa mesa com gente que diverge de você. O Brasil perde. Não é a figura A, B ou C. Perde o conjunto do nosso país e nós temos que mudar isso aí."

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