Cansaço com o sistema político explica vitória no México

Ganhou no México o “hartazgo”, essa palavra cuja sonoridade em espanhol expressa com mais eloquência o fastio, a extrema fadiga com alguém e/ou alguma coisa. No caso do México, com o sistema político e, mais amplamente, com o establishment.

Ou, para citar o bordão mais frequente na campanha do ganhador, Andrés Manuel López Obrador, com a “máfia do poder” —esse conglomerado informal entre homens públicos e homens de negócio para fazer negócios nem sempre lícitos.

O cansaço dos mexicanos se voltou, nesta campanha, para pelo menos três aspectos: a violência, a corrupção e a desigualdade, como mostrou neste domingo Sylvia Colombo nesta Folha.

Razões sobram para o “hartazgo” em todos os itens. Corrupção: pesquisa do Fórum Econômico Mundial colocou o México no 135º lugar entre 180 países no índice de percepção de corrupção.

Violência: 2017 foi o ano mais violento até agora registrado, com cerca de 30 mil mortes comunicadas às autoridades, número comparável às que ocorrem em países destruídos por guerras, como a Síria. São 85 pessoas mortas violentamente por dia.

Desigualdade: a pobreza afeta 40% dos mexicanos. De cada 10 pessoas que nascem, 7 pobres morrerão pobres.

Para a irritação contribui ainda a mediocridade do crescimento econômico: nos seis anos do governo de Enrique Peña Nieto, o crescimento médio anual do PIB ficou em pouco mais de 2%.
 

López Obrador surfou nesse fastio social, embora ele não seja propriamente um “outsider”: nasceu politicamente no PRI (Partido Revolucionário Institucional), que governou o México em 77 dos 100 anos mais recentes e é o partido de Enrique Peña Nieto.

Além disso, ele foi prefeito (bem avaliado) da Cidade do México e, por duas vezes, candidato à Presidência (2006 e 2012).

Não obstante, apresentou-se como o inimigo principal da “máfia do poder” e até como um revolucionário: comparou-se repetidamente com grandes ícones da história mexicana, como Benito Juárez, presidente por cinco períodos e uma espécie de pai da pátria; Francisco Madero, que assumiu a Presidência após a

Revolução Mexicana de 1910; e Lázaro Cárdenas, o presidente de 1934 a 1940 que nacionalizou o petróleo.

Se AMLO será mais um revolucionário na história de um México repleta deles é uma questão em aberto. 

Por enquanto, vale para ele o que escreveu Francisco Garfilas, colunista do jornal Excelsior, aliás cético sobre o cumprimento de suas promessas: “Andrés é a esperança dos mais vulneráveis. Diz o que as pessoas querem escutar. Acreditam nele. Em seus discursos, promete quase o paraíso”.

Há quem acredite que a vitória de um suposto “outsider” poderá ser replicada no Brasil, em outubro. 

É o caso da revista britânica The Economist, a partir do fastio dos mexicanos com a situação do país.

Escreve no número que está nas bancas: “Os brasileiros estão com o mesmo estado de ânimo ante a sua eleição em outubro. Muitos ainda não estão com o foco nela, mas um dos líderes nas pesquisas é Jair Bolsonaro, um autoritário cru, misógino e homofóbico ex-oficial do Exército”.

A comparação com o desencanto dos brasileiros é correta, mas Bolsonaro e AMLO não têm nem remoto parentesco político-ideológico.

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