Bolsonaro parece gostar de advogado só quando ele e familiares precisam deles

Escrevi nesta Folha, em outras oportunidades, artigos nos quais cobrava da entidade maior da sociedade civil, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), uma postura mais assertiva, corajosa, contra as violações às prerrogativas dos advogados, ao Estado Democrático e de Direito e à liberdade de imprensa.

Nos últimos tempos, a OAB foi omissa em algumas situações de violações das prerrogativas profissionais e com decisões judiciais ilegais, mas que atendiam aos anseios de uma parcela da sociedade.

Para piorar, ainda ficou em silêncio com posturas arbitrárias de alguns representantes do Ministério Público contra investigados e advogados.

A direção da entidade não cobrou da nossa Corte maior, o Supremo Tribunal Federal (STF), uma postura mais firme diante de tantas violações. A equivocada ideia de que os fins justificam os meios no combate ao crime se propagou por todo o país e explica esta omissão.

Nunca estive com o atual presidente Felipe Santa Cruz —só o conhecia de nome quando ele exercia a Presidência da Seccional da OAB do Rio de Janeiro, mas ele já deu mostras de que a OAB está nacionalmente representada à altura.

Desde sua posse, a entidade segue nos bons passos da velha e respeitada OAB de Raimundo Faoro, José Roberto Batochio, Márcio Thomaz Bastos e Mariz de Oliveira.

Na investigação sobre a tentativa de assassinato de Bolsonaro, a OAB corretamente interveio contra a ilegal busca e apreensão no escritório do advogado que defendia o acusado Adélio Bispo.

Investigar o advogado do investigado é uma das maiores violências contra o direito de defesa. O Tribunal Regional da 1ª Região reconheceu o direito à imunidade do advogado no exercício da advocacia.

Confrontando a atuação da OAB e do próprio Poder Judiciário, que lhe deu razão, Bolsonaro fez pouco caso da advocacia (“quem é essa OAB?”) para, em seguida, ultrapassando os limites do horror, atacar o Presidente da OAB zombando da morte seu pai.

A cruel e criminosa fala do presidente da República mereceu uma resposta firme, dura, do atual bâtonnier da advocacia. A decisão de interpelar Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal mostra a coragem do nosso líder maior.

Bolsonaro parece gostar de advogado apenas quando ele e seus familiares precisam deles. Contratou um dos mais respeitados criminalistas deste país, Antônio Sergio Pitombo, para defendê-lo perante o STF. É de se lembrar também o episódio em que o defensor de seu filho obteve importante vitória no mesmo tribunal.

O presidente da República precisa respeitar a classe dos advogados, nem que para isso tenha que responder a um processo penal pelos crimes que eventualmente tenha cometido. Aliás, tem a obrigação de respeitar todos os brasileiros, deixar de ofender as minorias e largar a beligerância da campanha eleitoral. Em outros termos, deve governar.

A função de um chefe de Estado é trabalhar para produzir consensos e, se possível, unir a sociedade. Fugir a este imperativo é apostar na anomia, na crise e no caos —tudo o que um país em recessão econômica com milhões de desempregados não precisa. É preciso um basta ao populismo rasteiro, que alimenta o círculo vicioso da divisão nacional.

O que vemos hoje parece ser uma peça pregada pela história. A democracia, de quando em vez, produz estadistas —aqueles políticos com a sabedoria necessária para afastar a demagogia e a capacidade de construir alternativas que amadureçam as nações.

Noutras, conduz a aberrações, como os Bolsonaros e Trumps vêm corroborar. Lamentavelmente o Brasil está enredado numa armadilha da qual será necessário sair.

Os tempos são, sim, sombrios, mas as instituições e a sociedade civil são mais fortes para salvaguardar o legado democrático da Constituição de 88, apesar dos disparates de alguém que não exerce o mister de governar de acordo com as práticas recomendáveis da boa política.

Falas preconceituosas, criminosas e levianas não ajudam ninguém. Muito menos quem as profere. Presidente Bolsonaro, o senhor, felizmente, terá agora pela frente um presidente para valer, uma liderança maiúscula, não só da OAB e da advocacia, mas da sociedade brasileira.

Respeitar os advogados e advogadas é respeitar o Direito de Defesa. O seu, Bolsonaro, inclusive.

José Luis Oliveira Lima, 53 anos, é advogado criminalista, ex-presidente da CAASP, da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP e membro do Instituto dos Advogados de São Paulo.

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