Blatter briga com a Fifa para reaver 80 relógios

Sepp Blatter quer seus relógios de volta.

O ex-presidente da Fifa, cujos anos à frente da organização que comanda o futebol mundial terminaram em escândalo, também quer receber uma pensão e que seu ex-empregador limpe seu nome. Mas seu foco atual é uma estranha disputa pessoal quanto a dezenas de relógios de luxo que ele diz não ter podido remover de seu escritório na sede da Fifa quando foi derrubado da presidência da organização em 2015.

Blatter, 83, disse ao The New York Times em entrevista na quarta-feira (8) que ele está tão frustrado com a recusa de Fifa em devolver até 80 relógios — de marcas como Patek Philippe, IWC e Omega — que os incluiria no processo que planeja abrir contra a organização. A ação incluiria um pedido de pagamento de pensões e que a Fifa esclarecesse publicamente os arranjos de remuneração de Blatter, para mostrar: "Não sou ladrão".

O ex-dirigente está excluído do futebol por seis anos, um triste fim para uma associação com a Fifa que durou 41 anos, até sua derrubada causada por um grande escândalo de corrupção.

O problema, disse Blatter, é que, desde que foi suspenso pela Fifa, em outubro de 2015, ele não pôde voltar ao seu escritório para retirar seus pertences pessoais, entre os quais uma grande coleção de relógios montada ao longo de décadas.

Blatter começou sua coleção quando trabalhava para a Longines, uma fabricante suíça de relógios. Ele afirma que, em retrospecto, deveria ter mantido os relógios em seu apartamento em Zurique, mas que, por morar sozinho, acreditava que eles estariam mais seguros na sede bem guardada da Fifa.

No ano passado, depois de uma troca de mensagens com o departamento jurídico da Fifa e com a secretária geral da organização, Fatma Samoura, Blatter recebeu de volta 120 de seus relógios, ainda que, segundo ele, a devolução tenha excluído "a coleção de alta tecnologia".

A disputa quanto ao segundo grupo de relógios continua. Blatter afirma que eles têm grande valor sentimental e monetário; cada peça vale entre 5 mil euros e 20 mil euros (R$ 22 mil e R$ 88 mil) — o que equivaleria a um valor total de 400 mil euros (R$ 1,76 milhão) para a coleção, que provavelmente vale muito mais.

"É uma questão de respeito, e minha paciência chegou ao fim", disse Blatter, que continua a viver como inquilino em um apartamento da Fifa. "Não acho que seja demais pedir a restituição de minhas propriedades pessoais."

O secretário geral assistente da Fifa, Alasdair Bell, disse que Blatter recebeu de volta todos os relógios que pediu, e que até assinou um recibo, antes de surpreender a organização meses depois com uma reclamação de que alguns itens estavam faltando. "Fizemos o que nos foi pedido", disse Bell.

Quanto à pensão, afirmou Bell, Blatter recebe "o que tem direito legal a receber". "Se ele apresentar uma queixa, obviamente nos defenderemos afirmando que cumprimos todas as nossas obrigações legais", acrescentou o secretário.

Os relógios de Blatter não são as únicas posses de dirigentes derrubados que ficaram na sede da Fifa. Um Mercedes clássico que pertencia a Chuck Blazer, um dirigente norte-americano corrupto cujo depoimento ajudou o Departamento da Justiça dos Estados Unidos a processar dezenas de seus antigos colegas, continua na vaga dele na garagem subterrânea da Fifa. Blazer morreu em 2017, quatro anos depois de se confessar culpado, sigilosamente, por fraude e lavagem de dinheiro, e de aceitar um acordo para ajudar os investigadores.

Os relógios de luxo vêm tendo papel desproporcionalmente grande nos círculos do futebol, ajudando a derrubar dirigentes e resultando em revelações embaraçosas. Em 2014, por exemplo, a Fifa teve de batalhar para convencer seus integrantes a devolver dezenas de relógios de US$ 26 mil (R$ 102 mil, na cotação atual) dados a eles pelos organizadores da Copa do Mundo no Brasil.

Depois de ser preso no escândalo de 2015, um ex-dirigente da Fifa garantiu sua libertação provisória em parte por meio de 11 relógios de luxo e da aliança de casamento de sua mulher, entregues às autoridades. No mês passado, Reinhard Grindel, presidente da federação de futebol da Alemanha e membro do conselho da Fifa, viu-se forçado a renunciar depois de que foi revelado que ele recebeu um relógio de luxo como presente de um colega ucraniano.

Blatter chegou a invocar o slogan da Longines para criticar a mídia, durante uma tempestuosa entrevista coletiva em 2011. Reagindo com hostilidade a uma pergunta, Blatter rebateu à pergunta do repórter que o interpelava dizendo que "elegância é uma atitude", lema usado pela Longines desde 1999.

Anos depois de ser derrubado do posto, Blatter continua a se sentir injustiçado pelos acontecimentos na Fifa. Ele insiste que homens com os quais manteve relacionamentos estreitos em suas décadas no futebol, entre os quais alguns com quem negociou contratos de transmissão televisiva, devem ter se envolvido em conduta desonesta sem seu conhecimento, e fora da sede da Fifa. E afirma jamais ter recebido a bonificação de US$ 12 milhões (R$ 47,2 milhões, na cotação atual) que lhe havia sido prometida secretamente como parte de seu último contrato de trabalho com a organização.

Ele quer que a Fifa esclareça o assunto, dizendo que a revelação de que ele havia outorgado um pagamento multimilionário a si mesmo durante o período mais conturbado da história da Fifa mancha seu caráter. Blatter disse que não buscará receber os US$ 12 milhões se a Fifa devolver o resto de seus relógios: "Para mim, isso é muito pessoal".

Mas ele continua a solicitar pagamentos de pensão cuja aprovação foi forçada por membros do comitê executivo da organização — entre os quais diversos que terminaram indiciados pela Justiça dos Estados Unidos. As pensões pagariam centenas de milhares de dólares anuais em remuneração por apenas alguns dias de trabalho a cada ano.

​​Blatter ganhou dezenas de milhões de dólares como presidente da Fifa e disse que continua a viver confortavelmente. Ele insiste em que não precisa do dinheiro, mas que deveria receber aquilo a que tem direito. De acordo com os estatutos da Fifa na época, o presidente não tinha direito à pensão estabelecida para os membros do comitê executivo. Como empregado da Fifa em tempo integral, os arranjos de pensão de Blatter eram diferentes.

Boa parte da frustração de Blatter tem origem no que ele percebe como tratamento desrespeitoso da parte da Fifa; ele insiste que, apesar do escândalo de corrupção, deixou a organização em bom estado de saúde e que deveria receber reconhecimento por isso.

"Não vou morrer por causa disso", ele disse, sobre o dinheiro, "mas quero morrer com dignidade, quero que eles digam que nunca fui ladrão na Fifa".

Primeiro, porém, ele quer seus relógios.

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