Bilionário, Manchester City pega rival nanico em estádio de 7.000 lugares
O som do apito do árbitro Stewart Atwell ainda soava e o goleiro Joe Day arrancou em disparada. Atravessou o campo e foi conversar com o técnico Michael Flynn.
"Ele só olhou para mim e perguntou: 'posso ir, chefe?'", relembra para a Folha o treinador.
Quando Day entrou em campo, sua mulher, Lizzie, estava no hospital. No intervalo da vitória sobre o Middlesbrough, ela havia dado à luz às gêmeas Sophie Grace e Emilia Lillie. O goleiro havia desligado o celular antes da partida.
"Joe sabia o que estava em jogo.", completa.
Flynn é técnico do Newport County, clube galês que atua na 4ª divisão do futebol inglês. Day é a contratação mais cara da história do clube. Os dois fazem parte da equipe que neste sábado (16), às 15h30, enfrenta o Manchester City pela 5ª fase da Copa nacional.
Entre todos os confrontos de Davi e Golias que o torneio poderia proporcionar, este é o maior de todos.
A contratação de Day custou 30 mil libras (cerca de R$ 160 mil), valor que pagaria 12% do que o atacante argentino Sergio Aguero recebe de salário no City (R$ 1,25 milhão). Por semana.
Comprado por empresa ligada à família real dos Emirados Àrabes, o time de Manchester se tornou um dos mais ricos do mundo. Após a primeira temporada no clube, em 2017, Pep Guardiola disse aos diretores que era preciso trocar os laterais do elenco. Os sheiks gastaram 200 milhões de libras (cerca de R$ 1 bilhão) em quatro reforços para as posições.
Robbie Wilmott, autor de um dos dois gols do Newport diante do Middlesbrough, era repositor de mercadorias no Tesco, rede de supermercados do Reino Unido, até 2013, quando recebeu oferta do clube. Ele mora em casa a poucos metros do estádio Rodney Parade e divide as contas com com outros dois jogadores do elenco.
O local tem capacidade para receber 7 mil pessoas e poucas vezes nomes tão caros atuaram em condições tão precárias. Os ingressos estão esgotados. A diretoria chegou a pensar em aumentar a capacidade para 10 mil com uso de arquibancadas móveis, mas desistiu.
O estádio é compartilhado com dois times de rúgbi e o gramado demonstra isso. Após as chuvas de inverno, parte do campo teve de ser arrancado, deixando à vista a terra que estava por baixo.
"Não foi intencional para dificultar o futebol do Manchester City, claro. Não temos um plano especial para parar o adversário. Todo mundo vê o City jogar todas as semanas. O"‚que podemos fazer? Nos defender? Vamos aproveitar a ocasião e fazer o melhor. Não tenho muito a pedir aos jogadores, a não ser que se esforcem. A diferença entre as duas equipes é coisa de outro mundo", analisa Flynn.
Nascido em Newport, o técnico é herói local. E não apenas por levar o time da cidade à 5ª fase da Copa da Inglaterra, o que não acontecia desde 1949. Com três passagens pelo clube como jogador, ele voltou como técnico em 2017, quando a situação era desesperadora. Lanterna da 4ª divisão, com 11 pontos de diferença para o primeiro rival fora da zona de degola, o Newport corria o risco de cair, o que significaria sair do que são consideradas as ligas profissionais do futebol inglês. Flynn obteve seis vitórias nos 11 jogos seguintes e obteve a salvação.
Os próprios torcedores que costumam ir ao Rodney Parade sabem que as chances de derrotar o atual vice-líder da Premier League são remotas. Quando a partida diante do Middlesbrough (da 2ª divisão) estava prestes a acabar, começaram a cantar "Manchester City, we're going after you"[nós iremos atrás de vocês], em tom de gozação. Mas se vencer, não seria o primeiro resultado do tipo contra adversário da elite. O Newport passou pelo Leicester, campeão Inglês em 2016, na 3ª fase.
O presidente Gavin Foxall acha graça disso tudo. Ele também sabe que o sonho deve acabar neste sábado, o que não significa ser algo ruim.
"Financeiramente, esta campanha é muito importante para nós. Garante nossa sobrevivência por quase um ano", reconhece ele à Folha.
Mesmo que perca, a campanha na Copa terá garantido ao Newport County mais de 1 milhão de libras (cerca de R$ 5 milhões).
Isso graças aos jogos televisionados contra Leicester, Middlesbrough e Manchester City. Se é para perder, Foxall gostaria mesmo era que a partida acontecesse no Etihad Stadium, casa do City. Isso porque no torneio eliminatório, a renda é dividida entre os clubes. O estádio em Manchester tem capacidade para 56,6 mil pessoas.
"No ano passado chegamos à 4ª fase e jogamos em Wembley [contra o Tottenham]. Faturamos 700 mil libras [cerca de R$ 3,5 milhões] e por isso pudemos melhorar toda nossa infraestrutura, construímos novos vestiários e reformamos parte do nosso campo de treinamento que foi destruído por um incêndio", completa.
Embora seja feito com dinheiro, futebol não é apenas isso. Há também o componente da ilusão e uma das frases mais usadas quando alguma zebra se destaca na competição é sobre a "magia da Copa da Inglaterra". Por isso que até o início do jogo, a torcida do Newport County, 15º colocado da 4ª divisão, pode sonhar.
"É um grande momento não apenas para o clube, mas para a cidade. O mundo estará de olho no que acontecer em Newport Town. Temos de estar à altura disso", finaliza Flynn, que é amigo de Mikael Arteta, auxiliar de Pep Guardilola no City.
Os dois fizeram juntos os cursos de técnicos oferecidos pela Federação. Quando chegou no vestiário após a vitória sobre o Middlesbrough e ligou o celular, o aparelho vibrou com uma mensagem de Arteta.
"Parabéns. Nos encontramos em breve."