Ausentes na elite, treinadores negros são menos de 10% no futebol paulista

Desde que começou no futebol, Demirval de Almeida Lima, 40, afirma ter sido vítima de preconceito racial apenas uma vez. Foi na Argentina. Baiano, ex-lateral de Santos e Palmeiras, estava no Boca Juniors em 2005, quando o zagueiro Desábato, então no Quilmes, foi preso no Morumbi por ter chamado Grafite, do São Paulo, de “macaco”.

“Eu era o único negro no futebol argentino. Nunca tinha tido problema. Sempre fui tratado muito bem. Mas naquele momento, por causa da minha cor, as pessoas me confrontavam como se eu fosse o Grafite”, afirma o agora técnico do Taboão da Serra, da Séria A3 (terceira divisão) do Paulista.

Baiano era minoria no Boca como continua sendo hoje. Ele é um dos apenas quatro técnicos negros em atividade nos 48 times das três principais divisões do estado de São Paulo. São 8% do total.

Ele está ao lado de Edmilson de Jesus (Atibaia), José Carlos Serrão (Sertãozinho) e Sérgio Soares (São Bernardo EC, todos da Série A2), como os únicos treinadores negros de equipes do futebol paulista.

Entre os 16 times na elite, não há nenhum. Silas, do São Bento, não se considera negro.

“Eu sou pardo. Acho que não ter muitos técnicos negros é coincidência. Temos bons treinadores negros, como Lula Pereira, Andrade e Sérgio Soares”, afirma Silas.

Andrade e Lula Pereira estão desempregados. Este último é um dos maiores críticos do pequeno número de negros no mercado. Segundo Pereira, eles são vistos como solução de curto prazo, não como aposta definitiva.

“A sociedade é constituída em parte por pessoas racistas. O futebol faz parte da sociedade e a sociedade é racista”, afirma Edmílson de Jesus, 53, treinador do Atibaia.

Revelado como jogador pelo Santos, onde atuou entre 1990 e 1992, ele foi atleta profissional por 16 anos.

“Nós [técnicos negros] somos menos de 10%, mas estamos muito bem preparados e qualificados. Podemos assumir a qualquer momento um time de ponta”, completa.

A visão de Edmilson não é compartilhada por outros técnicos em São Paulo. Pelo menos entre os empregados.

“Nunca senti preconceito comigo no futebol. As portas se abriram por causa da minha capacidade. Tenho 14 anos de carreira. É verdade que já estive perto de acertar com grandes clubes, mas não deu certo. O trabalho para me credenciar a isso já foi feito”, afirma Sérgio Soares, campeão cearense de 2014 pelo Ceará e baiano de 2015 pelo Bahia.

Soares, no entanto, faz uma reflexão durante a entrevista à Folha sobre o fato de ainda  não ter assumido um grande clube: “Quero pensar que a cor da minha pele não tenha influenciado nisso.”

“Não tenho explicação [para o pequeno número de técnicos negros]. O que aprendi é que se você trabalhar bastante, vai colher bastante”, diz Baiano, que no ano passado subiu o Taguatinga para a primeira divisão do DF.

Em pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) publicada em 2008, 65,4% dos entrevistados em São Paulo acreditam que a cor ou raça têm influência na vida das pessoas.

No questionário, o instituto usou 14 definições diferentes de cor ou raça: branca, morena, parda, negra, morena clara, preta, amarela, brasileira, mulata, mestiça, alemã, clara, italiana, indígena e outras.

“Antes era mais complicado, mas a situação vem melhorando. Entrar no mercado do futebol não é uma barreira fácil de ser superada, não por ser negro. O mundo está mudando”, crê Thiago Oliveira, que começou o ano como técnico da Penapolense, mas, por causa dos maus resultados, foi substituído após apenas cinco jogos por Edson Só.

Não é apenas um problema brasileiro. A Federação Inglesa se comprometeu a entrevistar para técnicos das seleções do país pelo menos um candidato de minorias étnicas. O mesmo já acontece na NFL, a liga de futebol americano.

“As pessoas não acreditam que técnicos negros possam ter sucesso”, opina o ex-zagueiro Sol Campbell, que disputou os Mundiais de 1998 e 2002 pela Inglaterra, ao assumir no ano passado o comando do Macclesfield Town, clube da quarta divisão inglesa.

Não é uma opinião universalmente aceita, como sempre acontece quando a discussão é transposta para o Brasil.

“Os técnicos negros não são contratados porque não são bons o bastante”, já opinou o ex-goleiro David James, também da seleção inglesa.

Todas as opiniões sobre o tema rodam e caem no mesmo assunto: o resultado em campo vem antes de tudo. Antes também da cor de pele.

“Você nem repara isso. Você contrata o profissional, aquilo que quer no momento. A cor não tem nada a ver e quem falar o contrário é muito preconceituoso”, diz Anderson Nóbrega, presidente do Taboão da Serra, que contratou Baiano como técnico.

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