Após decisão sobre Semenya, federações contemplam o que fazer a seguir

"Estamos abrindo a Caixa de Pandora".

Foram essas as palavras proferidas na quinta-feira (2) por Tim Virgets, diretor executivo da federação mundial de boxe amador, 24 horas depois de uma decisão do mais alto tribunal esportivo do planeta sob a qual mulheres com nível naturalmente elevado de testosterona terão de suprimir o hormônio se quiserem participar de certas corridas.

Virgets, como os líderes de outros esportes, está batalhando para compreender a decisão altamente polêmica, que provavelmente terá sérias implicações para as atletas de elite em esportes que vão além do atletismo, o foco da decisão da quarta-feira (1º). O Tribunal Arbitral do Esporte, sediado na Suíça, decidiu sobre atletas intersexuais, depois de uma década de debates acalorados e de litígios, mas a decisão talvez só venha a causar ainda mais debate, em lugar de estabelecer uma resposta final.

O assunto, controvertido e emocional, dividiu opiniões em todo o mundo, e também no tribunal, que decidiu por dois votos a um contra Caster Semenya, duas vezes vezes ganhadora do ouro olímpico nos 800 metros rasos, que buscava derrubar restrições impostas pela Associação Internacional de Federações de Atletismo (Aifa), que governa o atletismo mundial. Em seu sentido mais literal, a decisão significa que algumas mulheres deixarão de ser consideradas como mulheres em algumas provas –com distâncias de entre 400 metros e uma milha (1.609 metros)– a menos que concordem em usar medicamentos para suprimir sua produção de testosterona.

Os advogados de Semenya prometeram manter a luta, e a formulação confusa da sentença criou mais incerteza sobre um assunto já complexo, e esportes que vinham assistindo ao espetáculo das laterais podem em breve ter de enfrentar a questão.

A decisão do tribunal pode abrir caminho a novas queixas sobre vantagens desleais, e à imposição de regras semelhantes em outros esportes femininos, entre os quais halterofilismo, luta livre, rúgbi e futebol, nos quais velocidade e força podem se provar cruciais na determinação do sucesso atlético.

"A questão vai surgir em todas as federações internacionais", disse Virgets, que expressou confusão quanto ao que a decisão pode significar para o boxe.

Virgets disse que é usualmente aceito que a testosterona cria uma vantagem desleal para certas boxeadoras, porque lhes dá força e resistência adicional, mas pesquisar e quantificar essa vantagem pode requerer extensos testes.

"O assunto será debatido por muitos, muitos anos", ele disse.

O caso de Semenya requereu que o tribunal ponderasse de um lado o fair play no esporte e do outro os direitos humanos de atletas como Semenya, uma heroína na África do Sul. Agora, muitos esportes buscarão orientação do Comitê Olímpico Internacional (COI) quanto ao caminho que devem seguir para escapar a uma situação que se tornou um atoleiro ético e judicial. No entanto, não há garantia de que recebam qualquer orientação, porque o COI tende a ceder às federações dos esportes as decisões sobre os assuntos mais controversos.

O COI preferiu não agir quando o escândalo do doping russo ameaçou causar confusão na Olimpíada de 2016, e instruiu as federações internacionais a decidirem por si como tratariam a questão da participação russa.

"Não existe benefício político para o COI em intervir agora", disse Roger Pielke Jr., o diretor do centro de governança esportiva da Universidade do Colorado e membro da equipe de advogados de Semenya.

O COI afirmou em comunicado que estava trabalhando com um grupo de especialistas para criar diretrizes que ajudariam as federações internacionais a determinar normas para seus esportes "com relação à equidade, segurança, inclusão e não discriminação com base em identidade de gênero e características sexuais".

Antes da decisão, Paula Radcliffe, atleta aposentada britânica que detém o recorde mundial da maratona feminina, disse que não impor limites para a testosterona acarretava o risco de criar uma situação na qual jovens atletas seriam selecionadas para certos esportes devido à sua capacidade de produzir testosterona em nível elevado.

"Seria ingenuidade supor que, na ausência dessa regra, os treinadores ou federações se absteriam de buscar ativamente meninas com essa condição, dizendo que 'você vai disputar tal e tal prova, para que possamos vencer'", afirmou Radcliffe durante uma conferência antidoping em Londres no mês passado.

A decisão judicial, segundo Pielke, dá às federações luz verde para que ajam como quiserem sobre o assunto. Ele apontou que Sebastien Coe, presidente da Aifa, ignorou a sugestão, na decisão judicial, de que a aplicação da regra a provas de 1.500 metros e de milha fosse postergada "até que tenhamos mais provas".

"A decisão do Tribunal Arbitral do Esporte dá à Aifa a capacidade de fazer o que bem quiser, e, se for essa a mensagem, outros esportes e federações se sentirão confortáveis para agir", disse Pielke. "Eles não precisarão de provas fortes para agir, necessariamente".

Mas dada a delicadeza da questão, muitas federações continuam a relutar em falar dela publicamente. Por exemplo, pouco se sabe sobre as constatações feitas até agora por um grupo de trabalho criado para estudar a questão no ano passado pela FIVB, a organização que comanda o vôlei mundial. Uma porta-voz disse que a organização estava esperando para estudar a íntegra da decisão sobre Semenya.

Já a federação que responde pelo ciclismo disse que não tinha considerado ainda regras específicas de elegibilidade para as mulheres com testosterona elevada. Algumas organizações mencionaram regras em vigor para atletas em transição de homem para mulher, o que mostra que em alguns casos não existe nem mesmo uma compreensão básica do que consiste um atleta intersexual.

Virgets, do boxe, disse que não está certo do que as mudanças trariam para o boxe feminino, acrescentando que a única certeza é que haverá mais debate e mais litígio.

"Creio que alguns advogados vão se especializar nisso e ganhar muito dinheiro", ele disse.

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