Apple restringe aplicativos que combatem o vício em iPhone

Todos contam histórias parecidas: criaram apps que ajudavam as pessoas a limitar o tempo que elas e seus filhos dedicavam ao iPhone. Em seguida, a Apple criou um recurso que registra na tela o tempo de uso do aparelho. E, depois disso, ficou muito, muito difícil continuar no negócio.

Ao longo dos últimos 12 meses, a Apple removeu ou restringiu pelo menos 11 dos 17 apps mais baixados para controle de tempo de uso e controle familiar de aparelhos, de acordo com uma análise conduzida pelo The New York Times e pela Sensor Tower, empresa que pesquisa sobre aplicativos. Alguns apps menos conhecidos também saíram do ar.

Em alguns casos, a Apple forçou os desenvolvedores a remover funções que permitiam que os pais controlassem os aparelhos de seus filhos ou bloqueavam o acesso de crianças a certos apps e a conteúdo adulto. Em outro casos, ela simplesmente removeu os apps de sua App Store.

Alguns desenvolvedores de aplicativos que tinham milhares de clientes pagantes tiveram de fechar as portas. A maioria dos demais diz que seu futuro está em risco.

"Eles nos arrancaram de lá do nada, e sem aviso", disse Amir Moussavian, presidente-executivo da OurPact, cujo app de controle do iPhone era o mais popular e foi baixado mais de três milhões de vezes, Em fevereiro, a Apple tirou o app de sua loja, que respondia por 80% da receita da OurPact.

"Eles estão matando sistematicamente o setor", disse Moussavian.

O controle da App Store —que serve como fonte mais lucrativa de clientes para os desenvolvedores— dá à Apple poder incomum sobre o destino de outras empresas.

Tammy Levine, porta-voz da Apple, disse que a empresa removeu ou solicitou mudanças porque eles podiam obter muitas informações sobre os aparelhos dos usuários. Ela disse que a decisão não estava relacionada à introdução de recursos semelhantes pela empresa.

Em resposta ao The New York Times, Philip Schiller, vice-presidente mundial de marketing da Apple, disse em emails a alguns clientes que a Apple havia "agido de maneira extremamente responsável quanto a esse assunto, para ajudar a proteger nossos filhos contra tecnologias que poderiam ser usadas para violar sua privacidade e segurança".

Empresas desenvolvedoras de apps acreditam que seus produtos se tornaram alvo porque podem prejudicar os negócios da Apple. As ferramentas oferecidas pela Apple são menos agressivas quanto a limitar o tempo de uso de smartphones e oferecem menos opções.

"Os incentivos deles não estão alinhados para ajudar as pessoas a resolver de verdade os seus problemas", disse Fred Stutzman, presidente-executivo da Freedom, que produz um app de controle de uso que tinha mais de 770 mil downloads quanto a Apple o removeu de sua loja, em agosto. "Pode-se de fato confiar em que a Apple deseje que as pessoas usem seu smartphone por menos tempo?"

Tim Cook, presidente-executivo da Apple, declarou em uma conferência este mês que a Apple acrescentou ferramentas que ajudam as pessoas a administrar seu uso do celular. "Não queremos que as pessoas usem o aparelho o tempo todo", ele disse. "Esse jamais foi um de nossos objetivos".

Na quinta-feira, dois dos aplicativos mais populares de controle familiar, Kidslox e Qustodio, apresentaram uma queixa às autoridades de competição da União Europeia. A Kidslox disse que seus negócios se reduziram muito depois que a Apple forçou mudanças em seu app, que o tornaram menos útil que o produto rival oferecido pela própria Apple.

A Apple também enfrenta acusações de que abusou de sua posição dominante para se beneficiar e eliminar rivais —uma questão que se torna mais importante agora que a fabricante do iPhone está se expandindo para novos mercados como televisão, notícias e jogos.

O Spotify se queixou às autoridades regulatórias europeias no mês passado de que a Apple estava usando a App Store para dar ao seu serviço Apple Music vantagem desleal sobre o Spotify. As autoridades regulatórias holandesas anunciaram este mês que investigariam abuso de seu controle sobre a App Store.

Nos Estados Unidos, a senadora Elizbeth Warren, pré-candidata à presidência pelo Partido Democrata, sugeriu recentemente separar a Apple Store da Apple, como parte de sua proposta para impor controle aos gigantes da tecnologia dos Estados Unidos.

"Sem motivo, sem detalhes"

Os produtores de apps dizem que atender as exigências repentinas da Apple é um processo muito frustrante. Em muitos casos, a Apple os alertou de que seus apps seriam removidos - e  seus negócios paralisados - por meio de notificações muito curtas, de acordo com documentos vistos pelo The New York Times.

Quando os produtores de apps solicitavam mais informações, as respostas eram em muito caso demoradas e perfunctórias.

"Como desenvolvedor que trabalhou 10 anos com a App Store, eu esperaria alguma cortesia da Apple, pelo menos um telefonema para explicar o que fizemos de errado", disse Suren Ramasubbu, o presidente da Mobicip, que produz um app de controle familiar baixado cerca de 2,5 milhões de vezes este ano, em 70% dos casos para o iPhone.

Ramasubbu recebeu em 19 de janeiro uma mensagem da Apple lhe dando 30 dias de prazo para mudar o app, que de outra forma seria retirado da App Store. "Se você tiver questões quanto a essa informação, por favor responda a essa mensagem e nos informe", a notificação afirmava. "Atenciosamente, App Store Review".

Nos 27 dias seguintes, Ramasubbu solicitou mais informações à Apple quatro vezes, Por fim, reapresentou o app com mudanças que acreditava satisfariam as demandas da Apple.

Então, a poucos dias do final do prazo da Mobicip, a Apple respondeu três vezes às perguntas detalhadas que ele havia enviado - com virtualmente a mesma mensagem: "Seu app usa APIs públicas de maneira não aprovada e que desrespeita a regra 2.5.1 do manual da App Store Review".

"Entendemos perfeitamente", replicou Ramasubbu na manhã de 19 de fevereiro, o prazo limite da Apple. Ele apelou por respostas: a Apple poderia explicar o que seria preciso fazer para manter o Mobicip na App Store?

"Qualquer instrução geral, dica ou orientação específica será muito apreciada. Estamos entre os pioneiros dos apps de controle familiar na App Store há 10 longos anos, e sempre respeitamos as regras", ele escreveu. "Por favor nos mostrem o caminho certo e cuidaremos do resto".

Cinco horas depois, a Apple respondeu com uma mensagem de 12 palavras: "Seu app tem problemas não resolvidos e foi retirado da App Store".

"Sem motivo, sem detalhes", disse Ramasubbu. "De repente, já não temos um negócio".

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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