Americano caça trapaceiros que tentam correr Maratona de Boston

Uma das envolvidas era falsificadora serial de números de inscrição.

Outra mantinha um blog no qual postou fotos de seu relógio de corrida que mostravam que ela cortou caminho em uma meia maratona e depois percorreu a pista de bicicleta para recriar o percurso correto no GPS.

Ainda outra era uma jovem que de alguma maneira ficou com a segunda posição na categoria feminina dos 70 aos 74 anos na Maratona de Nova York.

Havia também a empresa que supostamente trabalhava com o diretor de uma maratona na França para conseguir tempos de qualificação para a Maratona de Boston, para alguns atletas.

Todos esses trapaceiros têm ao menos uma coisa em comum: um analista financeiro de 48 anos de idade, morador do Ohio, com a ajuda de um exército de observadores, os flagrou cometendo suas desonestidades nas provas.

"Na verdade, tudo começou por uma curiosidade", disse Derek Murphy, que criou o site Marathon Investigation em 2015. Sua inspiração foram artigos e fóruns do site LetsRun.com, cujos usuários detectaram que um apresentador de rádio de Boston, Mike Rossi, trapaceou na maratona do vale do Lehigh, em 2014, a fim conseguir tempo classificatório para a maratona de Boston.

"As suspeitas sobre aquele cara duraram semanas, depois meses", ele disse, "e fiquei imaginando se ele era o único trapaceiro".

Não, não era.

A maratona de Boston, nesta segunda-feira (15), marca o 39º aniversário de uma das tentativas mais escancaradas de trapaça na história das maratonas —a notória disparada de Rosie Ruiz, que largou no pelotão dos cidadãos comuns mas aparentemente atravessou a linha de chegada em primeiro lugar; sua suposta vitória foi revogada dias mais tarde. Ruiz não estava em boa forma, e chegou ao final da prova quase sem suar, duas indicações de que havia algo de errado.

Os trapaceiros que Murphy apanha são mais criativos. Ele começou procurando pessoas que trapaceavam para se classificar para a maratona de Boston porque, segundo ele, "era uma forma de tornar a tarefa mais administrável"; ele apontou que só precisava estudar a pequena porcentagem de corredores com tempos que os qualificavam para a maratona de Boston.

Diferentemente de outras maratonas, na de Boston quase todos os corredores precisam cumprir certos requisitos em suas faixas de idade, para conseguir inscrição. A prova se tornou tão popular que ter um tempo de qualificação dentro do estipulado já não basta para garantir inscrição; os organizadores adotaram o critério de aceitar primeiro as inscrições das pessoas mais rápidas em cada faixa etária e depois completar as inscrições pelo mesmo critério.

Isso torna trapaças para conseguir qualificação para Boston especialmente reprováveis, disse Murphy, porque "quando alguém trapaceia para poder correr em Boston, isso significa a exclusão de um corredor que mereceria participar".

Murphy não está preocupado com perder sua vaga para os trapaceiros. Quando iniciou sua investigação, se descrevia como alguém que corre por hobby, e só tinha participado de uma maratona, a Flying Pig, em Cincinnati, que ele concluiu em 6h3min5s em 2009.

Casado e pai de dois filhos, Murphy solicita doações em seu site e também recebe honorários de consultoria para confirmar os resultados da Maratona Internacional da Califórnia, ainda que mantenha seu emprego regular como analista financeiro.

Ele voltou a se dedicar às corridas, e seu envolvimento com provas de longa distância cresceu. No ano passado, participou da maratona de Nova York e da Flying Pig, ainda que seus tempos tenham sido superiores a seis horas nas duas corridas. Ele também correu a maratona da força aérea, perto de Dayton, na qual os corredores de tempos mais altos tiveram a prova suspensa por conta do calor, e da North Coast Endurance, uma corrida de 24 horas em Cleveland, atingindo uma marca de pouco mais de 119 quilômetros.

Às vezes, sua caça aos malfeitores das maratonas começa com uma denúncia, mas ele muitas vezes principia com a transferência dos tempos disponíveis no site da prova para uma planilha. Os resultados podem identificar corredores que mostram mudanças de ritmo de corrida significativas, ou que não tenham registro de passagem em determinados postos de controle, o que indica que não passaram por pontos do percurso nos quais sua presença seria confirmada por um sensor na etiqueta numérica.

As duas coisas podem indicar que o competidor deixou de realizar parte do percurso. Quando isso acontece, Murphy busca provas secundárias.

Para isso, ele recorre às fotos tiradas pelos organizadores da prova, que em geral ficam abertas a buscas com base no número do atleta. Ele busca corredores que abandonaram a prova mas que tiveram um tempo final registrado porque o sensor na etiqueta registrou sua presença na linha de chegada.

Murphy também busca dados nas contas de mídia social dos corredores, entre as quais a rede social Strava, que reúne atletas de corrida, e procura quaisquer mensagens que eles tenham escrito e que possa significar admissão de delitos, ou outras pistas de trapaça.

Foi o que aconteceu com Ashley Rollins, coach e escritora que postou em seu site que havia usado um podômetro com recurso de marcação de tempo não registrado, na maratona internacional da Califórnia em 2018, o que resultou em sua desclassificação. Ela se recusou a comentar para este texto.

Murphy também entra em contato com suspeitos de trapaças para determinar se eles têm alguma explicação, o que ocasionalmente resulta em admissão da irregularidade e pedido de desculpas —e nesse caso Murphy não escreve sobre eles.

Quando Murphy escreve sobre alguém em sua página, ele muitas vezes não revela o nome da pessoa e encobre o número que ela usou na prova, para que outros investigadores da internet não identifiquem a pessoa com facilidade.

"Só menciono alguém nominalmente por trapaças muito escancaradas, ou em circunstâncias especiais —se a pessoa em questão é um atleta patrocinado, se está ganhando dinheiro com a trapaça ou se a pessoa for um embaixador", ele disse.

Foi o que aconteceu com Bre Tiesi-Manziel, modelo que se separou recentemente do marido, Johnny Manziel, atleta de futebol americano. Ela teria que ter batido um recorde mundial em um trecho de 10,8 quilômetros da Divas Half Marathon, para que seu tempo final fosse válido. (Tiesi-Manziel não respondeu a pedidos de comentário.)

Murphy contata os dirigentes das provas, quando apanha corredores que cortaram caminho para trapacear. A maratona internacional da Califórnia, conhecida como prova rápida, especialmente para aqueles que estão tentando qualificação para a maratona de Boston (ou até para a seletiva olímpica) o contratou para vasculhar os resultados de corrida e identificar possíveis trapaceiros.

"É como o escândalo das admissões universitárias —tomar um lugar em uma universidade de elite que caberia a outra pessoa", disse Eli Asch, diretor de corrida da maratona internacional da Califórnia.

Nem todo mundo admira o trabalho de Murphy. Quando ele escreveu sobre uma mulher que suspeitava de forjar números de inscrição para entrar em corridas, ela recorreu à lei de direitos autorais para tentar bloquear o seu site, acusando-o de violação de direitos autorais sobre as fotos que ele usou. Ela conseguiu o que buscava, por alguns dias.

Meg Reilly, diretora de comunicações da Boston Athletic Association, que organiza a maratona de Boston, disse que os encarregados de registrar atletas na prova usam seu relacionamento com os diretores de corridas e outros dirigentes para garantir a maior lisura possível nas inscrições.

"Mesmo que a pessoa esteja concluindo uma maratona em mais de cinco horas, ou que esteja participando de uma prova sem divisão por faixas etárias, se ela corta caminho de alguma maneira, isso faz diferença", disse Asch. "Os corredores que se orgulham com razão de terem concluído uma maratona não deveriam ficar expostos a dúvidas".


 
The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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