A redução da tributação do cigarro é uma medida correta? Não

Causa estranheza a constituição do grupo de trabalho no âmbito do Ministério da Justiça para estudar a redução da tributação de cigarro fabricado no Brasil. A justificativa apresentada é que o aumento de impostos sobre o cigarro para coibir o consumo elevou demasiadamente o seu preço e, assim, incentiva o contrabando.

O cigarro contrabandeado traz maiores riscos à saúde porque não têm sua qualidade controlada e gera perda de arrecadação. A expectativa do governo federal é que, com a redução da tributação e a consequente diminuição do preço, o cigarro contrabandeado seja substituído pelo brasileiro.

Essa proposta, se aprovada, contrariaria a política antitabagista brasileira, referência mundial por reduzir massivamente a prevalência de fumantes em poucas décadas. Isso é resultado de medidas como a restrição à propaganda de cigarro, mas, de acordo com estudo publicado na revista científica PLOS Medicine, metade desta redução se deve à política de aumento de tributos para elevar o preço do cigarro.


Há evidência de que, quanto maior o preço, menor o número de fumantes e cigarros consumidos.
O Brasil não é exceção. Estudos mostram que aumentar o preço é o meio mais efetivo para convencer pessoas a não fumar ou a fumar menos. A OMS (Organização Mundial de Saúde) estima uma queda de 4% no consumo de tabaco a cada 10% de aumento no preço. 

Esse efeito é maior entre jovens e em países de renda baixa. Um relatório produzido por alguns dos maiores especialistas em saúde do mundo foi enfático ao afirmar que, dentre todas as medidas de saúde pública, “tributação pesada sobre o tabaco é a mais importante”.

Portanto, é implausível que reduzir preço não aumente o consumo. Ainda que imposto alto gere contrabando (e há divergências sobre o tamanho desse problema), os benefícios da diminuição do consumo são incomparavelmente maiores dado o impacto do cigarro sobre qualidade e expectativa de vida, custos para o sistema de saúde e perda de produtividade no trabalho.

Mesmo que seja difícil reprimir a oferta vinda do contrabando, existem estratégias para coibi-lo pelo lado da demanda, como campanhas informativas e de assistência a quem queira deixar o vício. Não há motivo para se priorizar a redução de preço.

Se não bastam razões econômicas e de saúde, há também as jurídicas. O Brasil se comprometeu a adotar medidas relacionadas a preços e impostos para reduzir o consumo do tabaco ao ratificar a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, da OMS.

Segundo a ONU, a ausência de medidas que desincentivem o consumo do tabaco viola o direito à saúde. Ademais, a Constituição estabelece o dever do Estado de proteger a saúde “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença”. Será grande o ônus do governo ao justificar por que contrariou as evidências e o consenso científico para retroceder na proteção da saúde.

Aumentar preço para reduzir o consumo de cigarro é tão exitoso que diversos países têm estendido esta medida para evitar o consumo excessivo de outros produtos que podem causar males à saúde.

México, Chile e algumas cidades dos EUA, por exemplo, aumentaram impostos sobre bebidas ricas em açúcar para reduzir a obesidade, com resultados promissores. Melhor que desconstruir uma política de sucesso seria discutir como aproveitar a expertise e a inteligência acumuladas no Brasil na luta contra o tabaco para enfrentar outros problemas de saúde pública.

 

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