'A fantasia é um outro registro da realidade', afirma diretor Cacá Diegues

Logo depois de lançar o filme “O Maior Amor do Mundo”, em 2006, Cacá Diegues se afundou em uma crise criativa. Armadilhas assim alcançam mesmo cineastas experientes como ele, um dos expoentes do cinema novo e diretor de filmes premiados como “Xica da Silva” (1976) e “Bye Bye Brasil” (1980).

Num desses dias de melancolia, encontrou um disco com uma capa curiosa, um desenho de um cavalo com pernas humanas; sobre o lombo do animal, um circo amarelo e verde. Era a trilha sonora de Edu Lobo e Chico Buarque para o espetáculo “O Grande Circo Místico”, do Balé Teatro Guaíra.

Foi a faísca que faltava a Cacá, grande conhecedor da obra de Jorge de Lima (1893-1953), autor da poesia que inspirou esse espetáculo, em 1983.

Desde então, passaram-se 12 anos, tempo para a maturação do roteiro escrito por Cacá em parceria com George Moura. Sem compromisso com o realismo, o filme narra a história de cinco gerações de uma família dona de um circo, de 1910 aos dias de hoje. 

Os entraves logísticos e financeiros foram os principais responsáveis pelo intervalo de pouco mais de uma década entre a consolidação da ideia e a chegada do longa à salas de cinema.

Como a legislação brasileira proíbe a presença de bichos nos picadeiros, a maior parte das filmagens aconteceram em Lisboa. “Seria absurdo fazer um circo de 1910, 1930, 1960 sem animais”, afirma Cacá. Outro agravante foi o alto custo dos efeitos especiais, a cargo de uma produtora francesa. 

Nesse período, ele tocou outros projetos enquanto “O Grande Circo” avançava lentamente. Produziu filmes de outros cineastas e dirigiu documentários, como “Nenhum Motivo Explica a Guerra” (2006), sobre o grupo AfroReggae.

O 17º longa-metragem de ficção de Cacá entra em cartaz, enfim.

“Em um plano mais próximo, esse é um filme sobre as mulheres tentando se realizar contra o poder dos homens”, diz o diretor de 78 anos. Mas o longa, reconhece ele, também pode ser visto como metáfora de um século de Brasil. 

“Sou de uma geração para a qual o Brasil era uma utopia em que acreditávamos. O programa do cinema novo tinha só três pontos: mudar a história do cinema, a história do Brasil e a história do planeta”, conta, aos risos. 

Embalado pelas canções de Edu e Chico, o novo filme se constrói sobre um repertório de devaneios visuais. “A cultura brasileira sempre se deu bem no barroco. Villa-Lobos, Guimarães Rosa, Aleijadinho... Meu cinema tenta retomar esse aspecto.” 

Segundo Cacá, muitos no Brasil ainda consideram “a fantasia, do ponto de vista ideológico, como uma fuga da realidade. Não é”, enfatiza. “A fantasia é um outro registro da realidade.” 

Nenhum personagem representa tão bem esse estilo antinaturalista do que Celavi (Jesuíta Barbosa), o mestre de cerimônias que não envelhece nunca. Ele convive com as estrelas do picadeiro, como a contorcionista interpretada por Bruna Linzmeyer e a trapezista vivida por Mariana Ximenes. 

Como se sabe, esses delírios e angústias sob a lona do circo foram escolhidos pelo Brasil para disputar uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro. Os cinco finalistas serão anunciados em 22 de janeiro. A última vez que o país esteve entre os finalistas foi em 1999, com “Central do Brasil”, de Walter Salles. Na ocasião, “A Vida É Bela”, de Roberto Benigni, saiu vencedor.

“O Oscar é um espetáculo visto por bilhões de pessoas. É importante não só para a promoção do filme, mas também do cinema brasileiro”, afirma Cacá. 

Com o apoio de uma distribuidora independente americana, o diretor vai a Los Angeles no final deste mês para sessões voltadas aos membros da Academia. “Não temos muito dinheiro para fazer campanha”, diz.

Embora valorize a visibilidade do prêmio, o diretor pondera: “Não podemos transformar o Oscar no juiz supremo do cinema brasileiro. O filme não pode se tornar maravilhoso porque ganhou o prêmio ou péssimo porque perdeu”.

Com 136 cópias, lançamento de porte razoável por aqui, “O Grande Circo Místico” vai primeiro em busca do público do Brasil. Se os pagantes exigirem bis, aí quem sabe seja o sinal de que Hollywood é um passo possível.     

 

O Grande Circo Místico
Brasil, 2018. Direção: Cacá Diegues. Elenco: Jesuíta Barbosa, Bruna Linzmeyer, Vincent Cassel. 16 anos. Estreia nesta quinta (15)

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