A democracia opera milagres

Com atraso de cinco dias, comemoro o 45º aniversário da Revolução dos Cravos, o movimento que devolveu Portugal à democracia.

Comemoro porque Portugal talvez seja o melhor exemplo de como a democracia faz bem à saúde, à saúde do país e das pessoas.

Portugal ganhou não só as deliciosas liberdades públicas associadas à democracia como, depois de algum tempo, viu o fim de uma guerra colonial fora de época.

Natural, pois, que o 25 de abril tenha sido um tremendo porre cívico, uma festa inesquecível. Reproduzo trecho de um texto meu da época, que relatava a comemoração do 1º de maio, uma semana depois da queda da ditadura:

“O primeiro cartaz que vi, com letras improvisadas em um retângulo de isopor, avisava: ‘A poesia está nas ruas’. A poesia saiu às ruas logo cedo: cada automóvel que desfilava por Lisboa levava flores. Às vezes, apenas uma. Às vezes, um “V” floral, geralmente arranjado nas cores vermelha e verde da bandeira. Às vezes, as flores eram tantas que os carros mais pareciam canteiros com rodas, a soar sincopadamente as buzinas para repetir o slogan de todos: ‘O povo unido jamais será vencido'."

A democracia, um bem em si mesmo, pelo menos para meu gosto, veio acompanhada de um bônus, no caso de Portugal: a possibilidade de aceder à então Comunidade Econômica Europeia (hoje União Europeia). Ditaduras não são aceitas no clube. E fazer parte dele abriu as portas para a prosperidade.

Que o digam os próprios portugueses: o mais recente Eurobarômetro informa que 69% deles dizem que pertencer à UE é uma coisa boa.

Note-se que esse resultado vem na sequência de um período duro, de austeridade, recessão e desemprego (sim, democracia também tem percalços, como qualquer outro regime).

É natural esse europeísmo de raiz, em uma época em que a Europa navega águas turbulentas: o crescimento econômico de Portugal em 2018 foi de 2,1%, acima da média da eurozona de 1,8%. O desemprego, que, durante a crise passara de 8% para 18%, está hoje abaixo de 7% (6,7%, exatamente).

É natural, pois, que o austero Financial Times —adorador dos modelos ortodoxos— tenha, na semana passada, apontado Portugal como exemplo de sucesso com sua fórmula heterodoxa de saída da austeridade.

Qual é a fórmula? “Mostramos que é possível aumentar a renda, dar impulso ao investimento privado, cortar o desemprego e, ainda assim, ter finanças públicas saudáveis", canta António Costa, o primeiro-ministro.

Trata-se de um raro socialista no poder em uma Europa que vinha caminhando para a direita até a vitória dos socialistas no domingo (28) na Espanha.

Costa chegou ao governo (24/11/2015) com um déficit público de 4,4%. Reduziu-o a 0,5% no ano passado e pode zerá-lo em 2019, pela primeira vez em 40 anos. Ou seja, há números positivos para a direita, para a esquerda e, naturalmente, para o centro.

Invejável, não? Não é à toa que Valdemar Cruz, jornalista do “Expresso", tenha escrito a propósito do 25 de abril: “Sem abril, jamais seríamos o país que somos. Com todas as suas fragilidades. Com todas as suas grandezas. 25 de Abril foi ontem. 25 de Abril é hoje. 25 de Abril será sempre".

Como é possível que ainda haja quem louve ditaduras?

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