A bagunça dos meninos virou guerra aos professores
Alguns dias atrás, Donald Trump Jr. atacou os professores americanos. O filho do presidente dos EUA, cuja grande credencial é essa mesmo, a origem familiar, disse a uma audiência de conservadores: “Continuem a luta e a levem para as escolas. Vocês não têm de ser doutrinados por esses professores perdedores que estão tentado vender a ideia de socialismo para vocês desde o berço. Vocês pensam por vocês mesmos. Eles, não”. Quando o ultraje se espalhou pelas redes sociais, muita gente na direita moderada levou a bandeira de que a declaração poderia ser falsa, retirada de contexto. Até que o vídeo veio à tona. Era verdade. A frase “professores perdedores” pegou mal para o Trumpinho.
Afinal, a educação é uma das bases do sistema americano. Você pode discordar dos professores, mas ofendê-los deste jeito é imoral. Diz mais sobre quem ataca do que quem é atacado.
Pois bem, o jornal "Washington Post" notou algo curioso na ofensa proferida pelo primeiro-filho. Ela parecia citação de manual. Em várias partes do mundo, a extrema-direita populista tem atacado educadores. Na Alemanha, grupos pedem para alunos denunciarem professores esquerdistas. Na Holanda, o alvo são as salas de aula em que se discute mudanças climáticas. No Canadá, políticos querem reformar o currículo para tirar educação sexual dos escolas. A Hungria está editando e censurando livros didáticos para alinhá-los ao governo. O presidente turco demitiu milhares de professores —e o governo das Filipinas está tentando fazer a mesma coisa. O jornal, claro, coloca o Brasil na lista de países em que ser professor ficou ainda mais difícil.
As salas de aula incomodam qualquer governo preocupado em manter um pensamento homogêneo. Professores são sempre perseguidos em regimes que não admitem dissenso. Sei que o estudo de história anda meio fora de moda, já que muitas pessoas não querem ser incomodadas com fatos de verdade (infelizmente, há uma certa tendência em produzir passados alternativos em profusão). O ponto é que o estudo sistemático do passado clareia o pensamento. Mostra semelhanças e rupturas.
Uma das maiores novidades do nosso tempo é a infantilização da crítica aos professores e o desprezo completo pelo rigor conceitual. Meninos crescidos, como Donald Trump Jr, usam marxista como ataque tal qual crianças do ensino fundamental se ofendem na base do “bobo” ou “cara de melão”. Rebaixam a discussão sem nenhuma responsabilidade com as próprias palavras. Usam socialismo para descrever qualquer ideia das quais discordem. Eles claramente não sabem do que estão falando —e talvez justamente por isso falem com tanta convicção. Transformam a discussão pública numa grande sessão de zoeira ou trolagem. É preciso cultivar uma ignorância convicta para fazer isso sem sentir vergonha.
O problema é que existe método nessa molecagem. Enquanto os garotos desfilam seus impropérios, os adultos afeitos a silenciar a discordância trabalham. No Brasil, um novo projeto para nacionalizar o Escola Sem Partido foi protocolado na Câmara —a Nova Escola explicou os detalhes aqui. O caldo de desmoralização é engrossado enquanto projetos draconianos tramitam no silêncio do Congresso, aqui e lá fora. Se quiser antecipar o futuro, caso os planos de uma parte do governo de Jair Bolsonaro prosperem, basta observar a Hungria. Enquanto estamos no começo da primeira temporada, eles já estão do meio para a frente.
O mundo dos moleques, infelizmente, transforma o debate público sobre educação no pesadelo dos melhores professores. Todo mundo grita e ninguém aprende. Enquanto isso, as questões reais vão para o fim da fila. E ainda se perguntam por que os melhores alunos, mesmo os vocacionados para a docência, estão fugindo da pedagogia…