É preciso gastar mais com educação no Brasil?

O debate sobre a educação está cada vez mais focado na qualidade do ensino. Há pessoas que acreditam que gastar mais pode resolver os problemas com a qualidade dos serviços públicos. Na verdade, isso não faz sentido, a menos que haja um diagnóstico claro de que a escassez de recursos é a raiz dos problemas de desempenho. Mas esse não parece ser o caso da educação no Brasil.

Os gastos públicos com educação cresceram rapidamente nos últimos anos no país (5,3% ao ano desde 2000). O resultado é que, hoje, o Brasil investe 6% do PIB na educação, mais do que os 5,5% dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). O aumento contínuo do gasto público combinado com a queda de matrículas na rede pública e o aumento dos salários dos professores, resultou em um aumento dos gastos por aluno de mais de 300% reais entre 2000 e 2015, em todos níveis de ensino. 

Esse aumento substancial dos gastos por aluno na rede pública, no entanto, não resultou em melhorias correspondentes do desempenho. Embora o acesso à educação tenha melhorado, o progresso dos resultados de aprendizagem tem sido limitado, especialmente quando comparados com outros países. Por exemplo, o desempenho do Brasil em matemática no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) é baixo em comparação com seus pares regionais e estruturais, e membros da OCDE. Chile e Turquia gastam aproximadamente o mesmo que o Brasil, mas obtêm resultados bem melhores. O Brasil melhorou significativamente seu desempenho no exame de matemática do PISA, de 68% da média da OCDE para 79% entre 2002 e 2012, mas desde então caiu para 77% em 2015 (nível de 2009). E mesmo em 2012, o desempenho do Brasil medido pela pontuação de matemática do PISA foi de apenas 83% do nível esperado, dado o nível de gastos por aluno. 

De fato, o aumento rápido dos gastos resultou em ineficiências significativas. Um recente estudo do Banco Mundial aponta que o Brasil poderia melhorar seu desempenho no aprendizado e fluxo escolar (medido pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, IDEB) em 40% com os gastos atuais. De fato, o nível de gasto por aluno em cada município é apenas fracamente correlacionado ao desempenho do IDEB. Alguns municípios (por exemplo, Sobral e outros municípios no Ceará e Piauí) têm resultados de excelência com gastos por aluno bem menores que a média nacional.

Grande parte da ineficiência (39%) vem dos baixos índices aluno/professor. À medida que as matrículas na rede pública continuam diminuindo, as ineficiências tendem a piorar, a menos que o número de professores também se ajuste. Em particular, a obrigação constitucional de gastar 25% das receitas tributárias na educação força as prefeituras e governos estaduais a aumentar os gastos com educação, embora já estejam enfrentando uma rápida redução no número de estudantes devido à transição demográfica. Boa parte dos significativos aumentos de receitas observados nos anos 2000 e início dos anos 2010 se converteram em aumentos de salários reais dos professores, sem estarem associados a melhores desempenhos dos alunos. Em anos de eleições municipais, esses aumentos são ainda maiores (aproximadamente 4% a mais em termos reais). 

Os diferentes patamares demográficos implicam diferenças significativas em nível regional. Municípios e estados do Norte e Nordeste são mais eficientes, mas ainda poderiam se beneficiar de orçamentos maiores. Municípios do Centro-Oeste, Sul e Sudeste poderiam se beneficiar de uma melhor gestão e alcançar melhores resultados com o orçamento atual.

Não é difícil diagnosticar o problema: na verdade existem várias dimensões para a “crise de aprendizagem”. Primeiro, os alunos são, em geral, mal preparados quando entram na 1ª série do Ensino Fundamental. A preparação poderia ser melhorada aumentando o acesso e a qualidade da Educação Infantil. Segundo, os professores são, em geral, malformados e têm baixa motivação. Melhorar a seleção de professores na educação pública, implementar programas de formação contínua para educadores e vincular mérito ao desempenho de ensino ajudaria a melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem.

Terceiro, investir em insumos escolares só é eficaz se afetar os resultados da aprendizagem. No Uruguai e na Índia, o uso da tecnologia para personalizar a educação de acordo com as necessidades dos alunos ajudou a melhorar esses resultados. Por último, mas talvez o mais importante, a gestão da escola precisa se concentrar em melhorar os resultados da aprendizagem e a qualidade do ensino. Diretores e professores devem ser cobrados a mostrar resultados. Isso ocorre no Ceará onde transferências adicionais de ICMS para as prefeituras são condicionadas a melhores desempenhos escolares. 

No contexto da grave crise fiscal que enfrenta o país, porém, é urgente melhorar a eficiência e a equidade dos gastos com educação. O principal motor da ineficiência é o alto número de professores em áreas do país onde as matrículas na rede pública vêm caindo. Nesses locais, é fundamental diminuir a taxa de contratação de novos professores para permitir que a redução do número de profissionais por meio da aposentadoria aumente a proporção aluno/professor, especialmente nas redes do Sul e Sudeste. Além disso, retirar a restrição de gastos mínimos com educação estabelecida pela constituição também poderia contribuir para a redução da ineficiência.  Enfim, a reforma do FUNDEB apoiando os municípios pobres dos estados mais ricos e reduzindo o apoio aos municípios ricos dos estados mais pobres, facilitaria um avanço na redução das desigualdades regionais, aumentando a eficiência nos gastos.

Em conclusão, não há evidências de que aumentos adicionais nos gastos com educação resultem em melhor desempenho de aprendizagem. Não é simplesmente que a crise fiscal não permita que mais recursos sejam destinados à educação. É preciso reconhecer que os desafios do sistema educacional brasileiro são muito mais complexos. Para garantir o futuro do país, os presidenciáveis devem começar reconhecendo essa realidade e desenvolver estratégias que abordem os problemas fundamentais.

Esta coluna foi preparada em colaboração com o meu colega Pedro Olinto, Coordenador de Desenvolvimento Humano do Banco Mundial no Brasil.

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